sábado, 17 de novembro de 2007

Tuberculose e Intervenção Social- texo apresentado nas IIIas. Jorndas

TUBERCULOSE E INTERVENÇÃO SOCIAL – Perspectivas e Desafios[1]

[2]Joaquim Paulo Silva


Uma Doença do Passado – Um Modelo Ultrapassado

1.
Quando Robert Koch isolou o bacilo, acabando em definitivo com todas as especulações acerca da identidade do Mycobacterium Tuberculosis pensou-se, com lógica, que a sua história terminaria aí (Baldaia, 2005: 115).
A Tísica, como era conhecida na Antiguidade, a Tuberculose, é conhecida pelo menos desde o final do século I d. C., quando Arete, físico grego, traçou um quadro clássico dos doentes com Tuberculose: febre baixa mas continua, perda progressiva de forças. aspecto final de um cadáver vivo com as faces rosadas e salientes, olhos brilhantes encerrados nas órbitas (Goff,1991:188).

É no entanto ao longo dos séculos XVIII e XIX com a Revolução Industrial que a Tuberculose assume importância crucial para os indivíduos e as sociedades, a deslocação imensa de populações para cidades que rapidamente ultrapassam em mais de mil % o número de habitantes, na sua maioria ex assalariados rurais, passando a assalariados urbanos vivendo nas condições habitacionais e higiénico – sanitárias mais abjectas, trabalhando 12 ou mais horas por dia em fábricas insalubres, possibilitando a disseminação e transmissão da doença como uma corrente facilitadora, minando o proletariado, tão necessário ao desenvolvimento burguês, pela corrupção dos costumes (nas palavras dos Liberais de então que culpavam os operários pela sua condição e pela doença), ou nos meios progressistas pele falta de assistência pública à mole humana indigente, fruto de uma sociedade que abandona os seus doentes e indigentes em nome do progresso. O Bk destruía bairros insalubres das brandes cidades, conduzindo à desorganização do espaço urbano, á guetização da pobreza, onde milhares de seres humanos viviam em zonas habitacionais sem água potável e saneamento básico, com enormes carências ao nível alimentar, não lhes sendo satisfeitas as necessidades básicas fundamentais (Goff).
Mas o Bk, atingia também, de forma igualitária alguns membros da burguesia, os mais debilitados, os génios desesperados ( como Chopin, Musset, Paganini, as irmãs Bronté, em Portugal, António Nobre, Sebastião da Gama, Cesário Verde, entre outros), membros de famílias reais.
Este caldo sócio – económico potenciou o rápido desenvolvimento da Tuberculose, denominada a “Peste Branca”, nas zonas urbanas em processo de industrialização, como foi o caso da cidade do Porto, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX.

Foram os Higienistas que influenciaram acção política e os seus responsáveis, a tomarem nas mãos a acção simultânea de criação de dispensários e sanatórios, de visitantes sociais (as visitadoras: enfermeiras), da necessidade de enquadrar cada família, desses bairros infecto, num foco possível da infecção e portanto da necessidade de intervenção, avaliação, aconselhando, empregando os seus membros, higienizando o grupo.

O Doutor Hazemann foi um dos primeiros teóricos do serviço social, no qual via uma organização científica encarregada de quantificar a pobreza urbana para repartir objectivamente os auxílios. Assim como o urbanista e o higienista tornam sã uma cidade procurando as causas de insalubridade, dotando-a de um plano de cidade, assim os trabalhadores sociais deverão procurar nas famílias as causas do mau-estar económico e fisiológico e dotá-las de um plano de vida (Goff).

A partir da Tuberculose, controlar a família, controlar a raça contra a degenerescência. Uma sociedade higienista, uma medicina elevada a política global, nas palavras de Saint Simon em 1813.: “É necessário associar todas as questões políticas a questões de higiene” ( Goff).

No entanto, todo o debate e torno da questão social e da relação com as condições sanitárias e ambientais das populações nas grandes cidades europeias e norte americanas no início do século, conduziram dos anos 20 aos anos 50 do XX século a uma melhoria global das condições sociais e habitacionais, de onde ressalta a intervenção estatal com a criação do Estado Social e dos primeiros Serviços Nacionais de Saúde. Ainda antes da descoberta dos antibióticos, a Tuberculose começa a regredir por acção da intervenção coordenada estatal. Em França, por exemplo, em 1920 o número de mortos pela Tuberculose era de 85 000 (ano) e em 1945, embora elevado, era de cerca de 42 000 (Goff, Idem:187)
Desde que Waksman, em 1944, descobriu a estreptomicina, a quimioterapia não mais parou de registar sucessos decisivos contra o bacilo da Tuberculose, que até aos anos 80 foi-se reduzindo de tal modo que das doenças registadas na União Europeia, ficava no fim da tabela (23º sensivelmente) ao nível da mortalidade.

A visão estritamente biológica da doença, com a consagração dos anti-bacilares (os 4 grande de base: estreptomicina, rifampicina, isoniazida e pirazinamida), com grande sucesso terapêutico em boa parte do mundo, fez cair a incidência e deu a ideia de controlo e quiçá possível erradicação da doença.













Uma Doença do Presente – Um Paradigma de Intervenção Total

2.
No início da década de 80 do século XX, registou-se uma alteração significativa na curva descendente de novos casos de Tuberculose a nível mundial (Dimas, 2005: 118).
A terceira vaga da industrialização, pelo desenvolvimento de uma sociedade tecnológica, globalizada, mercantilista, com consequências na precariedade do emprego e das condições de vivência psicossociais, geraram o aparecimento de uma nova pobreza, de novos grupos de pobres (mantendo-se alguma da pobreza dita tradicional), da exclusão social, em simultâneo com o aparecimento do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e da diversificação das novas dependências que criaram grupos de risco mais vastos e alargados.
São vários os estudos e especialistas que chamam a atenção, desde os anos 90 do Século passado, para a intima relação entre a população sem-abrigo, desempregada de longa duração, do HIV, e de Indivíduos com comportamentos aditivos, e a proliferação da tuberculose nestes grupos.

Em 1990 um terço da população mundial continuava afectada pelo Bacilo de Koch, surgindo anualmente 8 milhões de novos casos e 3 milhões de mortes.
Os dados de 2004 apontam para um panorama ainda mais complexo em determinadas zonas do mundo:

- No mundo: surgem por ano mais de cinco milhões de pessoas infectadas e morrem 1,7 milhões.
- O Sudoeste Asiático é um dos locais no mundo particularmente afectados - 1,2 milhões de casos e 500 mil mortos.
- Em Africa, a situação é extremamente delicada, pela correlação Tuberculose/HIV, ocorrendo uma incidência de 272 casos por 100 mil habitantes, em contraste com os 27 por 100 mil da União Europeia (Dados de 2004 da O.M.S.).

Em Portugal, em 2006 (dados SVIG/TB), foram notificados 3092 casos novos de Tuberculose (TB), correspondendo a uma incidência de 29,4 por 100 mil habitantes.
A distribuição geográfica é heterógenea, destacando-se as áreas de Lisboa (com 38,9 por 100 mil) e do Porto (com 45,4 por 100 mil) estas zonas bem acima da média europeia e mesmo muito similares aos piores países do Leste.
Portugal, apesar da descida de cerca de 10% na última década( muito aquém do que vinha descendo em décadas anteriores), permanece a mais elevada dos países da União Europeia antes do alargamento de 2004. Mesmo após o alargamento vemos países como a Hungria, República Checa e Eslováquia e Polónia com melhores resultados que os nossos, ao nível da incidência.

No entanto a tendência global para um certo recrudescimento da doença em todo o mundo, mesmo nos países mais desenvolvidos, bem como a verdadeira pandemia na Africa, Ásia e América do Sul, tornou uma urgência a Tuberculose e a intervenção na mesma, com o aparecimento de novos programas como o Stop TB, a nomeação de Jorge Sampaio como Enviado Especial das Nações Unidas para a Luta Contra a Tuberculose, denunciando a emergência da Tuberculose.

Causas para esta situação:

- Sensação no início dos anos 70 que a Tuberculose estaria controlada, ao nível clínico, e mais uma ou duas décadas e seria erradicada, levou ao desarmar dos instrumentos públicos de acção Estatal organizada de prevenção, diagnóstico e tratamento, desactivando-se uma rede de dispensários e sanatórios (exactamente o que aconteceu em Portugal).

- Alteração da composição social com o aparecimento de uma Nova Exclusão, típica das Megalópoles mundiais, em resultado da alteração económica e tecnológica, imposta pela globalização dos mercados financeiros, informacionais e das novas tecnologias, aumentando o desemprego, o isolamento, os grupos em situação de exclusão, conduzindo o Estado Providência ao dilema da sua superação, ou mudança.

Bruto da Costa (2005) define com clareza a tipologia das novas “exclusões sociais”:

n - Os idosos, doentes e acamados, deficientes, cuja condição de isolamento provocada por uma sociedade individualista potencia a quebra dos laços sociais e aumenta a falta de auto-suficiência e autonomia individual, conduzindo a limitações sócio-económicas graves;

n - A toxicodependência, o alcoolismo, a prostituição. Comportamentos que se interligam com a pobreza clássica, mas que ultrapassam na medida em que associam o abandono familiar, a desvinculação social, o desemprego, a falta de cuidados de saúde, a inércia de cidadania, engrossando a categoria, também nova e a mais baixa da escala de exclusão, os sem abrigo.

n - O desemprego de longa duração fruto das mutações rápidas do mercado de trabalho e da tecnologização dos serviços, que impelem diversos tipos populacionais da situação de inseridos, para a desintegração social, criando pobreza e exclusão social;

n - Os Sem – Abrigo. Uma das formas mais extremas de exclusão social, relacionada com Urbanização das sociedades, a indiferença perante a tragédia pessoal e a incapacidade dos sistemas de segurança social estatais oferecem respostas eficazes. É uma população heterogénea, com histórias de vida diversas, que de queda em queda foram perdendo não só a residência, mas a vivência social, construindo uma história de rua difícil de alterar.

- A resistência do BK aos “velhinhos” antibióticos”, produziu novas estirpes resistentes, multiresistentes e ultra resistentes (estas praticamente sem cura) ao tratamento tradicional. Sendo pois urgente apoio á investigação de novos fármacos mais potentes, inovadores e articulando com o HIV. A própria vacina da BCG, bem conhecida, não previne a transmissão de modo global, principalmente nos adultos.
Esta situação deve-se ao facto das indústrias farmacêuticas se situarem nos países mais ricos, cuja incidência tem sido baixa, ao contrário dos mais pobres, como diz Veronique Vincent (OMS, 2007), “ a investigação neste campo tenha sido negligenciada durante muitos anos(…)” porque “a Tuberculose tem elevadas incidências apenas nos países mais pobres”.

- Ainda, mas não menor, a causa ambiental está topo da ordem, com as mudanças bruscas climáticas que vão alterando as condições globais de vivência urbana, alterando os rirmos normais de deslocalização humana, pela destruição, pela escassez de recursos, pela busca de melhor qualidade de vida noutras paragens (emigrações e migrações), transportando o Mycobacterium e as suas novas virulências para zonas do globo mais diversas, pela própria facilidade de transporte.


A visão fracturante sobre a natureza, o homem e o cosmos, herdada da modernidade, visões que excluem parte do conhecimento humano na organização de programas e projectos, locais e globais, sobre fenómenos de características totais, como é o caso da Tuberculose, perde hoje terreno, se queremos encarar esta luta, não como específica de uma visão clínica-social, ou bio-psico-social, mas mais lata, exactamente tão lata quanto a multitude de factores que aqui intervêm.

Ora a Tuberculose poder-se-á considerar como o paradigma da relação entre doença e condições sócio – económicas precárias, bem documentada desde o século XIX. Ou seja, sem menosprezo para outra doença, um fenómeno social total que implica um novo paradigma de abordagem.
Um paradigma simultaneamente personalista, pois deve assentar num Projecto do Ser, enquanto Sujeito de Direitos e pessoa na sua dignidade, mas também, enquanto grupo humano, perspectivado na sua diversidade e unidade em simultâneo.

Um paradigma que deve assentar numa relação em rede: entre as questões biofísicas (dos avanços químicos e profiláticos), em intima relação com as opções macro das políticas sociais e de saúde na reconstrução de um sistema tecno-social de diagnóstico/tratamento/inserção/empowerment e envolvimento de todos os agentes activos (profissionais, voluntários, familiares, públicos e privados), reconstruindo as pontes entre os deserdados das franjas, as ONG no terreno e o sistema público, em formas móveis de interacção transdisciplinar, medindo a qualidade eco – social e antropo – espiritual das respostas, face a tamanhas necessidades.
Um sistema simultaneamente local e global. Local, perspectivado em função das dinâmicas de expansão da Tuberculose, e das razões bio-psico-sócio-económicas e culturais desses resultados, aonde a prevalência é dramática, como nos bairros sociais das grandes cidades, ou em zonas degradas, ou ainda em grupos de risco como emigrantes, os toxicodependentes, os isolados, os portadores de HIV, e global, tendo em conta, que num mundo globalizado, nenhum território é impermeável à pressão estrutural da Economia financeira mundial, que determina, muitas vezes, as apostas políticas locais e defrauda as expectativas dos agentes e das populações.
















Alguns Desafios


3.
- Articular políticas Públicas Nacionais e Internacionais.

- Articular Políticas Públicas com as Organizações Privadas no Terreno.

- Investir na Reorganização de um sistema Público de Luta Contra a Tuberculose.

- Flexibilizar os Centros de Diagnóstico e Tratamento em função das Novas Populações atingidas pela Tuberculose, os Novos Excluídos, ao nível da sua Organização, Horários e Disponibilidade de articulação com agentes no Terreno.

- Perceber que a Intervenção na Tuberculose é Multidimensional e Transdisciplinar, e portanto qualquer intervenção é simultaneamente clínica – política – social – psicológica – cultural – ecológica. E que só deste modo tornaremos o Programa Stop Tb, até 2015, uma realidade e não um pesadelo.













Bibliografia:



Baldaia, João Dimas (2005), “ Tuberculose: Um Novo Desafio”, Revista Investigação e Debate – Serviço social, nº 15, Porto, pp. 115-120.

Costa, Alfredo Bruto (2005), Exclusões Sociais, Cadernos Democráticos, Nº2, Gradiva, Lisboa, pp.9-1.


Goff, Jacques Le (1991),” As doenças Têm História”, Terramar, Lisboa, pp. 187 – 201.


OMS (2007), in Conferência: Uma Solução Conjunta para as Doenças Tropicais: A Resposta Luso-Americana”, Lisboa.


Almeida, A. Ramalho(S/d), A Tuberculose – Doenças do Passado, Presente e do Futuro, Bial, Porto.



Santos, José Álvaro et al. (2004), Por Um Novo Humanismo Para o Serviço Social, Cadernos da AIDSS, Porto, pp. 75-95.



Silva, Joaquim Paulo (2005), Caracterização Sócio-Económica do Utente de Serviço Social, Centro Diagnóstico Pneumológico do Porto, Porto.



Sampaio, Jorge (2007), Entrevista, Revista Noticias Sábado, 96, Porto, pp.12-24.



Valente, Maria de Jesus (S/d), “ Tuberculose: Doença da Pobreza e do Subdesenvolvimento”, In A Tuberculose na Viragem do Milénio, Lidel, Lisboa, Cap. 43, pp. 565-575.
[1] Texto apresentado nas IIIas. Jornadas de Serviço Social, organizadas pela AIDSS nos dias 15 e 16 de Novembro de 2007, e realizadas na Universidade Católica Portuguesa, Porto.
[2] Licenciado em Serviço social, Mestre em Relações Inter culturais, Assistente Social no Centro Diagnóstico Pneumológico do Porto e Director da Revista Investigação e Debate – Serviço Social.