terça-feira, 1 de setembro de 2009

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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Pesquisa e ação educativa com os movimentos sociais no campo no Brasil

Pesquisa e ação educativa com os movimentos sociais no campo no Brasil
(artigo publicado na revista Nº16 Investigação e debate- Serviço Social)

Ilse Scherer-Warren*

Resumo: Com o presente trabalho pretende-se entrar no debate acerca da relação entre a produção de processos cognitivos e práticas educativas para e com os movimentos sociais no campo no Brasil contemporâneo. Inicia-se com algumas considerações sobre o estado da arte da pesquisa sobre essas temáticas, desenvolvendo-se a seguir um referencial de pesquisa que vise compreender as conexões entre conhecer e fazer no campo das ações coletivas, para concluir com as possibilidades de um aprendizado direcionado a construção de um sujeito-ator da transformação social.


Abstract: The present paper aims to debate the relationship between the production of cognitive processes and educational praxis toward, and with, rural social movements in contemporary Brazil. It begins with some considerations about the state of the art of research on those themes. Subsequently, it develops background research for the understanding of the connections between what is to be discovered and what is to be done in the field of collective actions. It concludes by discussing the possibilities of a learning process directed to the construction of a subject-actor of social transformation


Nos anos recentes, os estudos e pesquisa sobre os movimentos sociais no campo, vêm assumindo uma proporção considerável da pesquisa em ciências humanas ou sociais. Isso se deve, em grande medida, pela vitalidade das ações coletivas no campo, especialmente no Brasil, que passaram a ter maior visibilidade na arena política do que a maioria dos movimentos de outra natureza. A título de ilustração, trago alguns dados:
No X Congresso de Sociologia Rural, o qual foi realizado no Rio de Janeiro, em 2000, dos 1057 trabalhos apresentados, 126 (12%) foi classificado no tema “Movimentos sociais, assentamentos e reforma agrária”, o que é bem relevante tendo em vista que o congresso abrangia a diversidade de temas da pesquisa sobre o rural, em escala mundial. Além disso, a temática freqüentemente aparece em temas fronteiriços como em “Democracia local e políticas públicas”, com 155 “papers” (15%), assim os dois temas acabaram perfazendo 27% das apresentações. (Lepri, 2005, p. 30).
No IV Congresso da Associação Latino-americana de Sociologia Rural, ocorrido em Porto Alegre, em 2002, dos 814 trabalhos apresentados, 143 (18%) era no tema “Movimentos sociais, assentamentos e reforma agrária” e 116 (14%) em tema correlato “Democracia local e políticas públicas”, somando 32% do conjunto dos trabalhos, o que é muito expressivo (Ibid, p. 32).
A práxis pedagógica desses movimentos tem sido também um objeto privilegiado dos estudos e pesquisas da atualidade. Para trazer um exemplo da produção científica apenas no Brasil, temos um levantamento da ANPED, sobre teses e dissertações na área de Educação Rural, onde se pode observar que 21,5% dessas, produzidas entre 1981-1998, recaiam no tema “Educação popular e movimentos sociais no campo” (cf. Damasceno & Beserra, 2004).
Maria Antônia de Souza (2000) resgata a contribuição de vários autores - Grzybowski, Gohn, Caldart e Fernandes - os quais destacam que “os movimentos sociais possuem um caráter educativo, oriundo da participação política, dos processos de interação, das negociações com representantes políticos, das relações com os mediadores, enfim, o Movimento como espaço de socialização política”. A autora acrescenta ainda que, segundo Mançano Fernandes, esse espaço de socialização política é composto pelos espaços comunicativo, interativo e de luta e resistência, sendo assim definidos:

“O espaço comunicativo como lugar onde as pessoas se conhecem, constroem conhecimento, debatem temas do cotidiano, relembram suas trajetórias, enfim, é o espaço da leitura e re-leitura da realidade vivenciada. O espaço interativo pressupõe um conhecimento crítico da realidade, o qual foi desenvolvido no espaço comunicativo. O espaço de luta e resistência, de acordo com Fernandes, "é a manifestação pública dos sujeitos e de seus objetivos. É, efetivamente, o espaço de luta" (Ibid., p.237).”

Vendramini (2000, p. 215-6)), numa pesquisa realizada em três assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Santa Catarina, através da pergunta “onde mais se aprende”, chegou a um resultado, que sistematizamos nas seguintes categorias:

Espaços de aprendizagem – assentamentos MST/SC
Movimento/vivência na luta
38 %
Casa/família
24
Escola
17
Igreja
10
Leituras/palestras
10
Fonte: Vendramini, 2000

Subjacente a essa visão sobre aprendizado, está uma idéia de que educação não se refere apenas a conhecimento geral, ou conhecimento técnico, mas também a conhecimento para o exercício da cidadania e para a convivência com a diversidade cultural e o reconhecimento do “outro” enquanto sujeito de seu destino pessoal e coletivo. Essa preocupação está bem explicitada nas palavras de uma militante do MST, Maria Gorete Sousa (Revista Novae):
“Na escola pública não existe preocupação com as diferenças, com a educação dos povos indígenas, dos povos do campo, dos quilombolas. Hoje, existe uma articulação nacional envolvendo várias organizações do campo, entre elas o MST, para discutir essa educação diferenciada. Diferenciada não quer dizer técnica, é preciso frisar isso. Muitos pensam que a educação para os pobres deve ser profissionalizante, não a do conhecimento geral. Queremos não só o conhecimento geral, como o processo completo de conhecimento”.
Roseli Caldart (2004) aponta algumas dimensões de um processo pedagógico continuado, em movimento, fruto da vivência nos assentamentos dos sem-terra: ética comunitária; solidariedade com os outros e com o coletivo; consciência sobre os direitos de cidadania (o indivíduo ter documentos; participação política, etc.); democracia de base e respeito às diferenças (étnicas, de gênero, de religião, regionais, etc.,); compreensão de que faz parte da história e de que a vida é um movimento (p. 178-186).
Os movimentos sociais no campo, dentre esses o caso emblemático do MST, mas também os movimentos contra as barragens, da economia solidária, quilombolas, seringueiros, indígenas, ribeirinhos e muitos outros, são laboratórios de vivência, e que nos permitem pensar sobre as necessidades pedagógicas para uma educação no campo, na direção da construção de escolas do sujeito (cf. Touraine, 1997), orientando-se para a criação de um sujeito livre, para uma comunicação intercultural e para uma gestão democrática da sociedade e das mudanças, princípios esses que são assim entendidos pelo autor:
“El nino que llega a la escuela no es uma tabla rasa sobre la cual el educador va a inscribir conocimientos, sentimientos, valores, Em cada momento de su vida, el nino tiene uma historia personal y colectiva siempre dotada de rasgos particulares...”.
“Una educación centrada em la cultura y los valores de la sociedad que educa es sucedida por outra que atribuye uma importancia central a la diversidad (histórica y cultural) y el reconocimiento del Otro...”.
“Este nuevo modelo parte de la observación de las desigualdades de hecho y trata de corregirlas activamente... Atribuye a la escuela um papel activo de democratización al tomar em cuenta las condiciones particulares en que los diferentes niños se ven confrontados a los mismos instrumentos y los mismos problemas.” (Touraine, op. cit., pp. 277-8).
Para se introduzir práticas pedagógicas adequadas a essas realidades, deve-se também possuir um conhecimento razoável acerca desses cenários, e é aí que a pesquisa social poderá trazer alguma contribuição. Esse cenário de mudança e em constante movimento, requer abordagens multidimensionais da realidade.
Contribuições para uma abordagem multidimensional[1]
Para se compreender os movimentos sociais hoje, deve-se observar como os indivíduos tornam-se sujeitos de seus destinos pessoais e como de sujeitos se transformam em atores políticos por meio de suas conexões em redes. Deve-se, também, buscar entender como estes atores e respectivos movimentos são formas de resistência e de proposições em relação a:

- códigos culturais opressores (cf. Touraine, 1997), que para o caso dos movimentos sociais no campo referem-se especialmente ao patriarcalismo, ao paternalismo, ao clientelismo e aos preconceitos classistas, étnicos, regionais e de gênero;
- códigos informacionais que regem suas vidas (cf. Castells, 1997), que diz respeito à ideologia que predomina na grande mídia e nas falsas ideologias da democracia racial, da homogeneidade nacional, etc.;
- incertezas do cotidiano (cf. Melucci, 1996), decorrente das condições de exclusão social, pobreza, precariedade das condições de vida, etc.

Para tanto, propõe-se uma abordagem que considera a relação entre sujeitos e atores coletivos em sua transformação em movimentos sociais, a partir de uma tripla dimensão das redes na sociedade contemporânea: social, espacial e temporal.
As redes sociais do cotidiano, bem como as redes de movimentos sociais[2], podem contemplar uma relação dialógica entre o tradicional e o moderno, entre o mais local e o mais global, e entre o individual e o coletivo. Para a compreensão deste intrincado cenário das redes, é que três dimensões de análise das redes devem ser consideradas: o tempo social; o espaço e território; e as formas de sociabilidade, conforme segue.

Temporalidade e historicidade

Os movimentos sociais podem vir a se construir em torno de legados históricos ou de raízes culturais. As redes de movimentos sociais através de seus vários níveis de manifestação (submersas, latentes, virtuais ou estruturadas) podem, assim, respaldar-se em várias temporalidades: o passado (a tradição, a indignação), o presente (o protesto, a solidariedade, a proposta) e o futuro (o projeto, a utopia). Mas para além da noção de tempos sociais distintos, as redes podem ser também portadoras de historicidade, conforme tem se observado no Brasil no caso do sindicalismo rural, da pastoral da terra, dos movimentos dos sem-terra, contra as barragens, dos seringueiros, das mulheres agricultoras, dos quilombolas e outros.

Será, pois, no jogo dialético, entre tradição e raízes culturais revistas criticamente, por um lado, e opções políticas e utopias, por outro, que as redes de movimento podem construir seus projetos de transformação. A equação das raízes/opções, nos termos de Boaventura Santos (1997), pode ser frutífera nos movimentos sociais na medida em que “o passado deixar de ser a acumulação fatalista de catástrofe e for tão-só a antecipação da nossa indignação e do nosso inconformismo” (p. 116).
Todavia, as propostas pedagógicas de articulações entre tradições culturais, utopias e opções do presente devem ser constantemente reavaliadas, conforme nos adverte Queiroz (1999, p. 135), a partir de uma pesquisa realizada em assentamentos rurais no nordeste brasileiro:

“O MST desenvolve uma estratégia de reconstrução do passado... Entretanto, essa reconstrução encontra dificuldade de ser incorporada pelo conjunto de sua base, tendo em vista as particularidades reais das histórias de cada situação concreta, e também pela ausência de uma metodologia que procure reconstruir este passado em articulação com as histórias concretas de conflitos e lutas”.

Portanto a recuperação da história das lutas sociais deve ser referenciada e re-interpretada à luz das histórias de vida dos sujeitos concretos em cada assentamento ou setor do movimento. Um caso latino-americano bem sucedido dessa recuperação da história e sua articulação com um projeto de transformação ocorreram no Movimento Neo-Zapatista de Chiapas, que conseguiu resgatar valores culturais milenares associando-os a novos ideários modernos e mesmo pós-modernos e difundindo-os em tempo real. Criou-se, assim, pela primeira vez na história da humanidade, um potencial para uma dialógica entre culturas com raízes históricas diversificadas e, quiçá, um laboratório para a construção de relações interculturais de reconhecimento, respeito, solidariedade entre o tradicional e o moderno.
Estas questões temporais ampliam seu significado quando se tratam as redes também a partir de suas configuração espaciais, isto é, quando os legados históricos da tradição e os projetos ou utopias de transformação são lidos à luz de ações que conectam as escalas locais, com escalas regionais, nacionais e globais, conforme veremos a seguir.

Espaços e territórios

Do ponto de vista da dimensão espacial, na sociedade da informação podem ser observados dois tipos de redes sociais subjacentes aos movimentos: a) redes sociais primárias - interindividuais ou coletivas – as quais se caracterizam por serem presenciais, em espaços contíguos, criando territórios no sentido tradicional do termo, isto é, geograficamente delimitados; b) redes virtuais, resultantes do ciberativismo, as quais são intencionais, isto é, suas configurações se definem pelas adesões por uma causa ou por afinidades políticas, culturais ou ideológicas transcendendo as fronteiras espaciais das redes presenciais, e criando, portanto, territórios virtuais. Todavia, as últimas poderão vir a ter impacto sobre as redes presenciais e vice-versa, numa constante dialética entre o presencial e o virtual, entre o ativismo do cotidiano e o ciberativismo, entre o local e o mais global, vindo a auxiliar na formação de movimentos cidadãos transnacionais ou globalizados.
Podendo, assim, haver um deslocamento das fronteiras tradicionais comunitárias, locais, para o plano global, bem como se abrir a possibilidade dos atores globais re-visitarem constantemente os planos locais, na construção de movimentos globalizados, construídos em torno de impactos e visões alternativas, como vêem ocorrendo com os movimentos indígenas na América Latina, com o MST, com o Movimento de Atingidos pelas Barragens (MAB) e outros.
Desta forma, os conflitos, as contestações e as agendas sociais se globalizam e se particularizam simultaneamente, através de redes de informações, de redes inter-organizacionais (coletivos em rede)[3] e de redes de movimentos. Os problemas comunitários - o local - podem se projetar transnacionalmente, assim como, uma ética ou valores planetários – o global - pode se expressar simbolicamente ao nível das ações locais. Por exemplo, Chico Mendes é transformado num símbolo universal da resistência para a conservação das florestas, assim como a ética ecologista da ação ativa não-violenta vem sendo incorporada pelo movimento dos seringueiros na Amazônia (cf. Scherer-Warren, 2005b).

Enfim, para apreender a dimensão espacial das redes de movimento, a investigação deverá buscar as conectividades da rede, ou seja, verificar:

a - Como atores e organizações locais interagem com agentes coletivos atuantes nas escalas regionais, nacionais e transnacionais, e que novas territorialidades de ação se constroem neste processo? Nessa direção, Mançano Fernandes (2005) classifica os movimentos sociais no campo em “isolados” (mais efêmeros) e em “territorializados” (mais duradouros e com maior alcance em suas ações), sendo o último assim definido:

“o movimento territorializado ou socioterritorial está organizado e atua em diferentes lugares ao mesmo tempo, ação possibilitada por causa de sua forma de organização, que permite espacializar a luta para conquistar novas frações do território, multiplicando-se no processo de territorialização. (Ex.: MST, CPT e outros).

b - Quais são as organizações, atores e movimentos que são integrados ou excluídos através das redes, e quais as razões subjacentes aos processos de exclusão e inclusão social? Aqui é necessário lembrar que há hegemonias na organização dos territórios e que, portanto, é necessário estar atento nos processos pedagógicos, para que os atores menos visíveis não sejam marginalizados dentro do próprio movimento. Como bem observou Queiroz (op. cit.), em sua pesquisa sobre o MST na Paraíba, o qual segue a prática do “centralismo democrático, da submissão do indivíduo ao coletivo, da minoria à maioria, e o respeito à hierarquia entre os distintos níveis da organização” (p. 188), o desafio a ser enfrentado seria “certa capacidade de abertura e reconhecimento do outro, que tem sido sempre um processo delicado a ser enfrentado pelos movimentos sociais no Brasil” (p. 233).

c – Isso nos remete a última questão, sobre a coerência entre redes territoriais e redes de sociabilidade: quais são os graus de coesão grupal, tipos de solidariedade, de estratégias, mecanismos de negociação, representações simbólicas, construção de processos de subjetivação, interculturalismo, etc. em cada espacialidade do movimento? Trata-se, em última análise, de buscar entender as tensões entre formas de sociabilidade nas redes, as ambigüidades entre o mais local e o regional, o nacional e o global e as referências a tempos sociais diferenciados.

Formas de sociabilidade

No campo da sociabilidade, as redes de movimentos sociais podem ser observadas a partir de dois tipos de relacionamentos principais:
Primeiro, através dos vínculos diretos estabelecidos entre atores, em seus cotidianos, ao nível de suas comunidades, no espaço mais restrito das organizações coletivas específicas. Neste caso, trata-se de redes sociais personalizadas. Conforme colocam Loiola e Moura (1996, p. 55), nesta situação, “a rede constitui-se por meio de interações que visam à comunicação, à troca e à ajuda mútua e emerge a partir de interesses compartilhados e de situações vivenciadas em agrupamentos locais - a vizinhança, a família, o parentesco, o local de trabalho, a vida profissional, etc.”. Como exemplo, poderemos trazer as redes que se desenvolvem a partir da convivência e formas de sociabilidade que se desenvolvem no cotidiano dos acampamentos e assentamentos rurais.
Segundo, através de articulações políticas entre atores e organizações, em espaços definidos pela conflitualidade da ação coletiva, podendo, pois transcender os espaços de emergência da ação, onde os elos constroem-se em torno de identidades de caráter ideológico ou de identificações políticas ou culturais. Essa proposta de articulação em redes de movimentos parte do pressuposto ideológico de que as relações na rede serão mais horizontais e as práticas políticas pouco formalizadas ou institucionalizadas. Entretanto, as pesquisas demonstram que de fato os conflitos e tensões entre atores de uma mesma rede também se fazem presentes nesse tipo de organizações da sociedade civil.
Além disso, propõe-se que a pesquisa sobre as formas de sociabilidade nas redes deve incluir as seguintes categorias analíticas, dentre outras: reciprocidade, solidariedade, estratégia e cognição.
A noção de redes sociais a partir da categoria da reciprocidade tem sido especialmente útil aos estudos dirigidos às relações sociais do cotidiano local de comunidades camponesas. As redes de reciprocidade nas comunidades rurais são típicas das práticas de mutirão e de mútua ajuda, portanto, ocorrendo nas atividades produtivas e da reprodução familiar, como na saúde e nos cuidados com as pessoas, parentes, vizinhos e amigos. São úteis para essa análise as noções de Polanyi (1980) sobre uma economia que não se define apenas pelas motivações de mercado, mas também pelo contexto da vida social, onde as relações de “reciprocidade, redistribuição e troca”, pode ser constitutivas da reprodução social do grupo; e as de Mauss e seus seguidores (...), sobre a teoria da dádiva social, baseada nos princípios de “dar, receber e retribuir”, típica das trocas de favores, dias de trabalho e alimentos nas comunidades rurais.
A categoria da solidariedade tem sido útil para a análise de ações do voluntariado e das redes da economia solidária, como, por exemplo, foi empregada na pesquisa de Mance (2000). Segundo o autor, quando as redes de solidariedade constituem-se num movimento social, poderão vir a extrapolar os limites locais, regionais, atingindo escalas nacionais ou internacionais, como vem ocorrendo com as redes de economia solidária, as quais têm ampliado seus espaços de atuação na esfera pública. As redes de economia solidária se encontram em ascensão no campo latino-americano e brasileiro, partícipes ativas na criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e da Secretaria Nacional de Economia Solidária (MTE/SENAES), criada em junho de 2003.
A dimensão estratégica das redes de ações coletivas tem sido empregada, sobretudo, para o entendimento das dinâmicas políticas dos movimentos sociais e das parcerias políticas ocorridas nas esferas públicas das mais locais às mais globais. A idéia de rede assume freqüentemente um caráter propositivo nos movimentos sociais, isto é, a rede como forma organizacional e estratégia de ação que permitiria aos movimentos sociais desenvolverem relações mais horizontalizadas, menos centralizadas e, portanto, mais democráticas. Portanto, desempenhariam um papel estratégico, como elemento organizativo, articulador, informativo e de empoderamento de coletivos e de movimentos sociais. As redes, como estratégia de mobilizações da sociedade civil, são formas de expressão simbólica, de visibilidade pública, e pedagógica para os sujeitos participantes como ocorre, por exemplo, nos Fóruns Sociais Mundiais e nas Grandes Marchas Nacionais, como a Marcha pela Reforma Agrária e outras. No Brasil têm-se como exemplos significativos: redes estratégicas de denúncias (as grandes marchas, Grito dos Excluídos, etc.); redes de estratégias de desobediência civil (acampamentos dos Sem-Terra e dos Sem-Teto); redes de combate à exclusão (Ação da Cidadania, Economia Solidária, etc.); redes de negociação na esfera pública (Conselhos Setoriais, Conferências Nacionais, dentre outras)[4].
As redes apresentam também uma dimensão cognitiva, que merece ser investigada, especialmente quando se busca entender o sentido das transformações sociais encaminhadas pelas redes de movimentos sociais. Os movimentos contemporâneos vêem construindo novas narrativas para a compreensão da complexidade na sociedade globalizada e da informação, das quais se podem destacar quatro, nesta nova situação sistêmica[5] :
a - desfundamentalização: confrontando-se com a noção das “grandes narrativas” do marxismo, que continha a idéia de existência de um sentido subjacente à história, segundo o qual há um rumo previsto para as lutas de transformação social, a narrativa das redes concebe os movimentos como coletivos múltiplos, construídos em torno de projetos alternativos (da reforma agrária, da ecologia, de direitos humanos, dentre outros); estes podem servir de pontes de comunicação e de difusão de novos códigos culturais desenvolvidos por estas redes, para outras redes na sociedade, opondo-se aos códigos das redes dominantes: nacionais, territoriais e/ou comunidades étnicas ou religiosas fundamentalistas (cf. Castells, 2000). As articulações políticas, entre sem-terras, quilombolas e indígenas, expressam, por um lado, a defesa da reforma agrária e, por outro, a legitimidade do direito de territórios a populações historicamente excluídas.
b – descentramento: as “grandes narrativas” privilegiavam um sujeito da transformação social (especialmente a classe). As novas narrativas das redes de movimentos sociais, com base no pensamento desconstrutivista, comportam elementos cognitivos que concebem o sujeito a partir de suas múltiplas identidades (além da classe - o gênero, a etnia, a cultura regional, etc.), e concebem a transformação a partir da articulação discursiva e da prática de variados atores coletivos (cf. Mouffe, 1996), como se observa nos Fóruns Sociais Mundiais e nas Grandes Marchas, como ocorreu nas Marchas Nacionais pela Reforma Agrária, Marcha Zumbi + 10 (do movimento negro), Marcha das Margaridas (do movimento de mulheres trabalhadoras rurais), dentre outras formas de mobilizações das redes de movimentos.
c - dos essencialismos rumo ao interculturalismo: se as “grandes narrativas” fortaleciam a noção de essencialismos coletivistas (dicotomização das classes), as pequenas narrativas dos novos movimentos sociais, das décadas de 1970-90 contribuíram, muitas vezes, para um essencialismo das diferenças (como em algumas abordagens do feminismo e ecologismo radicais). A questão que tem se colocado para os atores das redes de movimentos sociais na contemporaneidade é de como transcender as fragmentações dos novos movimentos sociais sem cair nas tentações de novos unitarismos totalitários. Não se trata, portanto, de anular as diferenças, mas através da dialógica realizar o reconhecimento do outro, elevando o outro da condição de objeto para a condição de sujeito e construindo a solidariedade, uma vez que esta só existe a partir das diferenças. Um exemplo pode ser buscado no texto da pauta de reivindicações da Marcha das Margaridas[6], definindo-se, então, como protagonistas das trabalhadoras rurais na Marcha Mundial de Mulheres: “A Marcha Mundial é uma ação do movimento feminista internacional de luta contra a pobreza e violência sexista. São mulheres negras, índias, brancas, jovens, adultas, da terceira idade e defensoras da liberdade de orientação sexual, de mais de 50 países de todos os continentes que realizam atividades de educação popular, mobilização e pressão sobre os órgãos de decisão política, combatendo as causas da injustiça e opressão, apresentando alternativas feministas que constroem uma nova sociedade”.
d - da separação entre teoria e prática ao engajamento dialógico na rede: neste nível, precisa-se examinar como, através de práticas emancipatórias ligadas em redes, tem-se ou não trabalhado a relação entre conhecimento-reconhecimento-práxis política. Trata-se também de se repensar as interações e articulações necessárias entre academia (locus privilegiado da produção intelectual), ONGs e entidades de apoio (agentes relevantes da mediação entre pensar e agir) e militância de base (sujeitos do ativismo e da participação cidadã), os quais deveriam participar de um processo dialógico de construção cognitiva na rede. Isso nos remete ao último ponto dessa exposição, de como pensar os processos de aprendizado no campo a partir de um trabalho colaborativo entre academia (especialmente a pesquisa social aplicada), entidades de mediação (ONGs, pastorais, escolas, etc.) e movimentos ou organizações de base.
O aprendizado contextualizado ou a escola do sujeito-ator[7]
Inicio esse último ponto com uma reflexão de Victor Valla (1998, p. 196): “trabalhar com os temas de movimentos sociais e educação popular exige muito estudo, tanto no nível teórico, quanto em nível de uma atenta observação daquilo que está sendo dito ou realizado por grupos populares”. É nessa direção que uma sociologia aplicada ao estudo dos movimentos sociais e da educação no campo poderia trazer contribuições para uma relação social construtiva entre o pesquisador, o mediador do aprendizado (outra palavra para professor) e o sujeito-ator do auto-aprendizado. Por isso, parece-me que tratar o aprendizado do sujeito-ator, a partir de sua inserção em cenários socialmente contextualizados, exige considerar as dimensões tratadas acima: suas histórias de vida, seus territórios de referência e suas formas de sociabilidade.
Conforme Castells (1997, p. 362) já observou, as redes de movimentos sociais fazem mais do que organizar atividades e socializar informações, sendo de fato “produtoras e distribuidoras de códigos culturais”. Por isso, a escola do sujeito-ator deve estar sintonizada com as forças culturais sinérgicas de cada realidade social, assim como os atores dos movimentos devem estar atentos ao que se lhes propõe como aprendizado (cf. Scherer-Warren, 2000). Para ilustrar trazemos um relato de uma escola do MST:

“Como a mística é algo que nos alimenta, que fortalece nossa organização, que nos dá esperança de viver com dignidade, resgatando os valores, entendemos que ela deve estar presente em nosso cotidiano... É neste sentido que a mística está presente na sala de aula e na escola, através da riqueza dos símbolos de nosso Movimento”. (MST, Coleção Fazendo Escola, 2000, p. 42).

Além disso, essa sinergia dos movimentos sociais alarga os projetos dos sujeitos, os processos de inclusão social tornam-se mais abrangentes, não se restringindo às conquistas sócio-econômicas apenas, mas incluindo demandas por direitos de participação política, à diversidade cultural, qualidade de vida e ambiental e ao conhecimento. A escola do sujeito-ator deve ser sensível a esses novos anseios de cidadania, como foi bem ilustrado por um representante do Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo, referindo-se às práticas dos movimentos sociais no campo:

“Você vê que aumentaram várias frentes de inclusão. Porque você não só incluiu os camponeses no processo produtivo,... mas você está incluindo gente, vida, que é a inclusão social, que é a questão da cidadania. Você recuperou aquela pessoa, que não sabia nem ler, nem escrever. O cara hoje está na escola. Já pensando em ir para a faculdade. Olha como o sonho dele aumentou. O sonho dele antes era de ter a terra, agora o sonho dele é ter a faculdade. Você fez foi uma revolução cultural”. (Gilberto Portes de Oliveira)[8]

Para finalizar, poderemos relembrar com Roseli Caldart (2004), que “olhar para o movimento social como sujeito pedagógico significa retornar uma vez mais à reflexão sobre a educação como formação humana e suas relações com a dinâmica social em que se insere” (p. 317-8). O que, em outras palavras, significa discutir e entender a relação entre “os movimentos sociais e a cultura política, a democracia, a economia popular, a territorialização e espacialização dos movimentos, a história...” (Ibid, p. 322), aproximando metodologicamente produção do conhecimento e aprendizado e, assim, construindo sujeitos de seu próprio destino.

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VENDRAMINI, Célia Regina. (2000). Terra, trabalho e educação: experiências sócio-educativas em assentamentos do MST. Ijuí, Editora Unijuí.



* Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS/UFSC), Professora Titular do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC, Florianópolis/SC, Brasil e Pesquisadora Sênior do CNPq. Email: ilse@manezinho.com.br
[1] Outros desdobramentos para essa parte do trabalho, vide em Scherer-Warren, 2005a e 2005b.
[2] Para uma conceituação desses tipos de rede, vide Scherer-Warren, 2005a.
[3] Sobre essa noção, vide Scherer-Warren, 2005a.
[4] Vide maiores desdobramentos em SCHERER-WARREN & ROSSIAUD, 2000; 2003 e no dossiê da Revista Política & Sociedade, n. 5, 2004.
[5] Já descritas em maiores detalhes em trabalho anterior, SCHERER-WARREN, 2002.
[6] Nome em homenagem à líder sindical Margarida Maria Alves, assassinada na cidade de Lagoa Grande/Paraíba, por latifundiários do Grupo da Várzea.
[7] Sobre as noções de sujeito e ator dos movimentos, vide Touraine, 1997 e 1994.
[8] Entrevista concedida ao Projeto AMFES, 2005, op. cit.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

CONCEPTUALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO SOCIAL
EM TRABALHO DE REDE


Helena Neves Almeida*

O conceito de mediação deriva etimologicamente do latim mediare (interpor-se) e foi empregue através dos tempos para designar uma oferta de interposição muitas vezes imposta a dois beligerantes. Actualmente o termo ultrapassa largamente essa concepção, e assume-se como um modo de gestão de um "sistema de transacções" [1] no quadro da acção social. A prática de mediação surge nos anos 70 nos Estados Unidos da América principalmente no sentido de regular litígios sem recurso a instancias jurídicas, como uma prática decorrente da insatisfação sentida pelas pessoas devido à lentidão dos processos judiciais, aos seus custos e por vezes à falta de respeito pelas decisões. A mediação emerge como um modo de resolução de conflitos entre particulares e entre estes e os serviços públicos e como "um modo de regulação social"[2] de que as "boutiques de droit" e os "community board" são exemplo[3].
Existem sobretudo duas concepções de mediação: uma ligada à cultura americana que a encara como um meio alternativo de resolução de conflitos, embora com contornos próprios, e uma outra, mais universalista, europeia, herdeira da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em que “o outro” é um ser diferente mas igual, e para a qual as semelhanças são mais importantes do que as diferenças. Neste contexto, a mediação está centrada sobre a regulação constante das relações sociais. Ela opera novos laços, de forma criativa, renovando laços cortados, gerindo a sua ruptura. Enquanto os americanos têm o culto da negociação, os europeus têm o da lei. Bonafé-Schmitt (1999, 18) está convencido de que “as formas e o desenvolvimento da mediação nos diferentes países são directamente influenciadas pelos sistemas de regulação social”. Uma análise comparada desenvolvida pelo autor e seus colaboradores sobre a medição penal existente em França e nos Estados Unidos, evidencia diferentes modelos de integração social subjacentes aos modelos de medição. O modelo francês é universalista e republicano e o modelo americano é diferencialista ou comunitário. Estas diferenças de modelos explicam porque nos Estados Unidos se fala mais de “mediação comunitária” e que em França se realce “a mediação de bairro, social ou intercultural”. Após os anos oitenta, começou-se a falar de práticas de mediação fortemente influenciadas pelas correntes americanas.
Numa Europa cujo desenvolvimento se processa a ritmos diversos, Portugal é um dos países da União Europeia cuja modernização económica e social se tem vindo a processar sobretudo nas últimas três décadas, com indicadores positivos a nível dos padrões de consumo, dos costumes, do acesso aos equipamentos domésticos e das comunicações. Porém, à crescente institucionalização das relações sociais associou-se uma burocratização dos serviços que tem contribuído para o arrastamento do processo de resolução das situações, sobretudo no âmbito da justiça, da saúde e da protecção social.
Apesar de os princípios da igualdade de direitos sociais e da universalidade da protecção social pública fazerem parte da nossa memória colectiva recente, o direito à indignação começa a ter eco junto das populações, sempre que as decisões políticas inibam ou contrariem a aplicação de tais direitos. Surgem queixas individuais e até movimentos sociais de contestação
[4] e de reivindicação, que exigem o desenvolvimento de processos que facilitem a resolução dos conflitos emergentes. Nesse sentido, a administração pública instituiu nos diversos serviços gabinetes para a recepção de queixas individuais relativas aos conflitos que possam existir entre utentes e serviços, mas a sua resolução é demorada. A nível de pequenos conflitos entre cidadãos, e a nível de consumo, foram instituídos tribunais de arbitragem, tentando diminuir os custos que acarretam processos judiciais demorados. Em qualquer destes recursos utilizam-se processos alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação, a negociação ou a arbitragem. Porém, tais processos não se confundem com a mediação[5]. A mediação social tem sido assegurada por profissionais que trabalham nas organizações sociais, mas está desprovida de uma concepção clara e orientada por finalidades específicas. Se a nível europeu a mediação está presente no discurso político e na prática institucional, em Portugal tem sido essencialmente utilizada a nível político, designadamente no plano internacional e no caso de conflitos entre povos. Face ao exposto, pode-se afirmar que em Portugal o conceito e a prática de mediação estão em construção, pelo que se torna imperioso aprofundar conhecimento neste domínio.
De facto, a prática de mediação expandiu-se por diversos campos de intervenção e foi assumindo diferentes perfis no quotidiano. Hoje assiste-se à proliferação da diversidade de mediadores e de práticas de mediação como resposta criativa a conflitos inscritos nas relações inter-pessoais ou decorrentes de mudanças sociais, designadamente, a institucionalização das relações sociais, alterações a nível do perfil e funções da família, a mundialização da economia, a expansão da sociedade da informação e a crise do Estado-Providência. Defende-se o processo de mediação em áreas diversas, quando o conflito assume um papel predominante nas relações a nível familiar, penal, administrativo, escolar, político, social, ou a nível empresarial, e sempre que a procura de alternativas exigir a intervenção de uma terceira pessoa que valorize a comunicação entre as partes e a capacidade de tomada de decisão por parte dos litigantes no estabelecimento de um acordo mútuo. O conflito, o equilíbrio e a mudança constituem pólos referenciais da expansão de práticas mediadoras; a mediação é utilizada em situações de conflito, no sentido de o controlar ou prevenir, estabelecer ou reestabelecer laços sociais, e deste modo, regular relações sociais ou impulsionar mudanças a nível pessoal, inter-individual e social.
No quadro da diversidade da produção escrita sobre a mediação, são predominantes as abordagens sociológicas reflexivas, raramente de base ontológica. Ora, a diversidade de práticas profissionais constitui um factor de dinamização do saber fazer, dada a criatividade permanente que a complexidade das situações-problema coloca ao processo de procura de alternativas. Este tem sido um factor valorizador do saber profissional daqueles que diariamente contactam com utentes de serviços sociais, com populações socialmente excluídas ou com pessoas que no seu dia-a-dia se debatem com conflitos/problemas cuja solução passa pela intervenção de uma terceira pessoa exterior à sua rede de relações. Porém, a dispersão e difusão acometida a tal diversidade poderão constituir um indicador de insuficiente reflexão que descapitaliza o conhecimento a nível da intervenção.
A primeira exigência que se coloca é a clarificação conceptual.

1 – CARACTERÍSTICAS CONCEPTUAIS DA MEDIAÇÃO

1.1 - A mediação é frequentemente confundida com conciliação, arbitragem, negociação e resolução de conflitos, mas constitui um processo distinto.

· A conciliação é um processo formal ou informal pelo qual as partes, com a intervenção ou não de uma terceira pessoa, tendem a aproximar os seus pontos de vista visando uma solução para o seu litígio. Quando existe uma terceira pessoa, compete-lhe propiciar a discussão do assunto entre as pessoas, restabelecendo a comunicação e ajudando as partes em litígio a encontrar soluções através de um processo de sucessivas aproximações. O conciliador organiza o encontro entre dois ou mais parceiros em conflito e promove a realização de um acordo verbal ou escrito. A conciliação é ainda um estado de espírito, que caracteriza todos os que privilegiam as relações humanas, a atitude de escuta e diálogo, e que os adquirem depois de uma reflexão seriamente conduzida tanto a nível teórico como prático. Não se improvisa e é um "suplemento de alma"
[6] ao procedimento clássico da justiça. A prática da conciliação confronta-se com os limites da prática da palavra inerentes a qualquer reencontro inter-subjectivo (Martin & Masson, 1986).
Aquilo que separa a mediação da conciliação é uma questão de peso e duração. A mediação aplica-se a questões de maior importância, sendo o tempo utilizado no processo maior do que na conciliação. Em todo o caso a proposta de solução formulada resulta de um trabalho conjunto com as partes envolvidas. Deste modo, conciliação e mediação são de natureza semelhante apesar de a conciliação ser de natureza judiciária
[7] e a mediação de natureza extra-judiciária (Six, J.P., 1995). Uma característica da mediação é o facto de ela ser "non-procedure", como refere Paul Paclot[8], Presidente honorário do Tribunal de Comércio de Paris, num colóquio realizado em 1986. Com efeito, as partes estão livres do constrangimento processual, e tal facto contribui para que aqueles que a ela recorrem não a percebam como uma justiça. O mediador não está investido de qualquer poder, nem tem o imperium do juiz. "Esta forma de mediação por conciliação é muito utilizada tanto nas interacções privadas (no seio da família e das redes de sociabilidade) como nas interacções públicas (grupos de pares, sociabilidades profissionais)” (Macé, 1996).

· A arbitragem é um processo formal pelo qual as partes, de comum acordo, aceitam submeter o seu litígio a uma terceira pessoa que terá por missão resolvê-lo depois de os ter ouvido e estudado os seus respectivos argumentos (Bonafé-Schmitt, J.P., 1999). O árbitro tem por missão resolver o litígio e a sua decisão obriga as partes. No caso da arbitragem as duas partes colocam nas mãos de um terceiro o poder de impôr uma decisão que se propõem aceitar. A mediação considera os direitos daqueles cujos interesses são contraditórios e solicita um posicionamento activo. Neste caso, os antagonistas não podem nem devem abdicar da sua possibilidade de agir, eles devem participar tão activamente quanto possível na procura de uma solução, criá-la e decidir em conjunto. A arbitragem está presente nos modos juridiscionais de regulação de conflitos, sejam eles familiares, de consumo ou de outra ordem. A arbitragem não é um modo de conciliação. É um modo de justiça que chega a uma decisão arbitral e tem todas as características de uma decisão judiciária. A arbitragem é caracterizada por ser: a) - uma acção institucionalizada : a decisão é pronunciada por uma terceira pessoa que não representa nenhuma das partes e de forma independente, apenas tendo em consideração os dados apresentados por cada uma das partes; b) - uma acção rápida: o tempo requerido reduz-se ao necessário para a análise da situação, após ouvir os intervenientes na contenda, e uma tomada de decisão.
Mas é necessário distinguir ainda mediação, negociação e resolução de conflitos.
· A negociação é um processo que permite que duas ou mais partes em presença, com interesses opostos, estabeleçam um acordo através de contactos directos entre os representantes das partes. Na sua origem a negociação não se desenvolvia sobre um conflito, mas sobre as condições de uma mudança. Hoje a negociação estendeu-se aos conflitos sociais. A negociação pressupõe uma confrontação directa entre as duas partes, podendo cada uma ser assistida por advogados ou peritos. " A negociação não é mais do que um jogo estratégico entre o conflito e a cooperação" (Simonet,J. & Simonet, R., 1987, 50). A negociação repousa sobre um fundo de interesses comuns e interesses opostos que permitem estabelecer um acordo a fim de se poder cooperar. Touzard (1977, 400) considera que compete ao mediador "facilitar a realização de um acordo entre as partes", inserindo a mediação no quadro da negociação. Mas significará isso que o mediador seja um negociador? Segundo este autor, o mediador regula as relações interpessoais e seria uma mais valia para o processo de negociação. A terceira pessoa assumiria um papel de "agente de facilitação na negociação". Ora este perfil não se ajusta ao de mediador. Os dois processos são autónomos mesmo que por vezes se articulem. A mediação não se reduz à negociação nem esta implica sempre uma mediação e vice-versa, uma vez que implica uma terceira pessoa não pode ser assimilada à negociação e não pode ser considerada como uma serva da negociação, um facilitador da tarefa de negociação como defende H.Touzard. De facto a mediação tem sido considerada uma serva da negociação. Porém, convém assinalar que a mediação não é uma parte de um conjunto mais vasto chamado negociação, ela tem a sua própria autonomia.
· A mediação também não se confunde com a resolução de conflitos. Na linguagem corrente a mediação surge associada à resolução de conflitos, e seria um modo não violento de os resolver. O conflito é em si mesmo uma realidade útil e um factor de desenvolvimento. Apenas a violência perverte o conflito e transforma os adversários legítimos e normais em inimigos que em vez de procurarem encontrar um equilíbrio nas suas relações pretendem tirar a "pele" do outro. O conflito em si próprio não é bom nem mau, ele é a pior e a melhor das coisas. A melhor quando o seu confronto permite encontrar soluções inovadoras adaptadas aos interesses das partes em presença e pior quando a forma de o ultrapassar faz recurso à violência. Deste modo, pode-se fazer uma boa ou má gestão do conflito. A mediação não é um meio de dissolução dos conflitos, pois assim não seriam salvaguardadas as diferenças entre os adversários, mantendo-as através de acordos; pelo contrário, essas diferenças seriam apagadas no sentido de alcançar uma espécie de "ideal de fachada".
Embora diferentes, os conceitos traduzem práticas que sendo diversas se articulam e imbricam umas nas outras. Poder-se-á encontrar no processo de mediação procedimentos próximos da negociação ou da conciliação. O conceito de mediação está totalmente desligado dos conceitos de resolução de conflitos e de arbitragem, mas a conciliação e a negociação podem constituir orientações práticas a considerar no decurso de uma mediação. Ou seja, se por razões que se prendem com a natureza e as finalidades da mediação, a prática de arbitragem e de resolução de conflitos não se podem confundir com aquela, já no que respeita à negociação e à conciliação elas podem ser integradas no processo de mediação como estratégias, uma vez que dão alguma margem de manobra ao mediador. O objectivo da mediação não é o de promover a conciliação ou a negociação, mas estes podem ser objectivos-meio importantes no decurso da acção.
Se a mediação não se confunde com nenhum dos processos referidos, o que entendemos por mediação?

1.2 - A mediação é um mecanismo de regulação a nível societal e interindividual.

Por toda a Europa têm emergido mediadores diversos. Cada país adoptou a mediação como um modo alternativo de resolução de conflitos e como um modelo de regulação social, sabendo que “a regulação social é o conjunto de mecanismos através dos quais se criam, se transformam e se anulam as regras. A regulação social toma a forma de mediações sociais e interindividuais. Elas preenchem uma dupla função, latente e manifesta: “fazer sociedade” e “regular conflitos””( De Briant e Palau, 199,43).
A mediação define-se como o “relacionamento entre dois termos e dois seres” (ibid, 43). Ora, na perspectiva das ciências sociais, a mediação é mais do que o estabelecimento de relação entre a sociedade e o indivíduo. Ela é simultaneamente societal e interindividual, mesmo que os diferentes actores sociais não tenham consciência dessa dualidade. A mediação é societal na medida em que esse relacionamento visa “constituir ou desenvolver laços sociais e tratar ou prevenir conflitos” (ibid, 118) . Inserem-se nesta categoria as mediações da linguagem, do direito, da escola, enquanto operações de construção da realidade, de laços sociais, “vectores de sensibilidades e matrizes de sociabilidades” (Debray, 1991, 15) . A mediação interindividual é entendida como um modo não contencioso de regulação de litígios, sob a égide de uma terceira pessoa. Em qualquer mediação poder-se-á considerar a existência de uma micro-mediação (inter-individual) e de uma macro-mediação (societal) que formam um contínuum variável segundo a representação que os actores têm do processo.
A mediação “faz sociedade” na medida em que ela cria laços sociais fundados em representações culturais e históricas da sociedade. Mas ela é igualmente um processo alternativo de resolução de conflitos, um modo que permite a sua transformação partindo de um compromisso.
1.3 - A mediação assenta num conjunto de “estruturas fundamentais”
[9], designadamente uma terceira pessoa, uma ausência de poder de decisão, uma mudança por catálise e a comunicação.

a) Uma terceira pessoa
A primeira condição para que haja mediação é a interposição de um terceiro elemento. Essa terceira pessoa pode ser uma instituição a que uma das partes de um conflito faz apelo. Se o terceiro se encontra implicado num dos dois campos, não se poderá falar de mediação. O lugar mediano que ocupa na relação permite-lhe quebrar a dualidade em que se encontram as partes e assumir uma posição de referência central comum às mesmas. No contexto da mediação a linguagem opera um distanciamento em relação aos acontecimentos imediatos e permite expressar o significado desses acontecimentos. Tal distanciamento é um trabalho de liberdade. Quando ocorrem trocas que permitem estabelecer um contrato entre as partes, mais do que uma partilha, tal significa um desprendimento em relação a interesses considerados relevantes por cada uma delas. Pelo contrato cada uma das partes liga-se à outra por livre vontade.
Ao contrário de um julgamento , de uma arbitragem ou de uma negociação, que são situações duais , a mediação é uma situação no mínimo "trial". Ela implica necessariamente um terceiro elemento independente dos dois protagonistas ou antagonistas. Esta condição é essencial para não se pensar que estamos perante uma mediação quando ainda nos encontramos numa situação dual, em que o "mediador" ocupa uma posição de interventor com poder de decisão. Numa mediação surgem acusações entre os dois antagonistas num processo de culpabilização mútua. Ora a mediação consiste em fazer passar a ideia que não há ganhadores nem perdedores e que o sucesso de um não significa a morte ou a rejeição do outro.

b) Ausência de poder
O não poder constitui a segunda condição para que se considere que a acção é de mediação. A interposição de um mediador não significa que ele exerça um poder decisório, apesar de por vezes lhe poder ser dado um estatuto de árbitro ou de juiz. Mesmo que o requerente o deseje, mais ou menos conscientemente, mesmo que o mediador o deseje, mais ou menos secretamente , não pode ser exercido nenhum poder de decisão durante a mediação. O mediador não toma o lugar das partes envolvidas: ele deve suscitar a sua liberdade, criar condições para que estabeleçam uma relação efectiva que permita encontrar uma solução imaginada ou inventada por iniciativa e esforço das duas partes, e possam implementá-la concretamente. A mediação processa-se por livre consentimento e envolvimento das partes, com liberdade de escuta das sugestões do mediador, libertos até de qualquer poder de sedução.
Quando o poder superior designa um mediador, ele é visto pelas partes como alguém que , mais tarde ou mais cedo, vai aplicar as decisões projectadas pelo poder em questão. Mas para se ser mediador a acção tem de ser desenvolvida com autonomia, com uma determinada margem de manobra. O espaço de evolução do mediador é estreito e frágil: ele deve ser criado por cada um dos intervenientes e não imposto do exterior. Esta característica de ausência de poder confere às duas partes a possibilidade de melhor analisarem o seu problema e de escolher livremente a solução que eles lhe pretendem dar. Ao mediador reconhece-se uma autoridade moral, que também é uma forma de poder mas não de influenciar directamente o curso dos acontecimentos, não um poder judiciário ou legislativo. A procura de uma terceira pessoa deve-se a essa autoridade moral que se exerce num clima de confiança e respeito pela liberdade de cada um, sem o uso da força, coerção ou qualquer meio de pressão
[10]. No entanto, no espaço da relação movimentam-se energias que se traduzem em poderes, porventura menos claros, que analisaremos mais tarde.

c) Processo catalítico
Etimologicamente derivado do grego Katalysis o termo catálise é utilizado na química para designar a "modificação da velocidade de uma reacção química condicionada pela presença de substâncias que não aparecem nas equações finais daquela reacção, isto é , a sua presença faz acelerar a reacção sem nela tomarem parte, reacção esta que se produziria mesmo sem a sua presença, embora mais lentamente. A catálise ou acção catalítica exerce-se por intermédio de substâncias especiais , os catalisadores"
[11] . Ainda a propósito refira-se que os catalisadores são " como o óleo com que se lubrifica uma máquina e que permite a esta o melhor rendimento, sem que contudo lhe forneça a mínima quantidade de energia de que aquela é capaz" [12] . O papel dos catalisadores é duplo: por um lado são agentes que determinam reacções por quebra de equilíbrio instável e por outro lado são simples aceleradores da reacção. Ora, a catálise constitui uma condição que reforça as duas anteriormente enunciadas. A mediação resulta a maior parte das vezes numa transformação, sem ser o iniciador ou o motor dessa mudança. Pela presença de uma terceira pessoa (um mediador), considerada como um actor desarmado e sem poder, a mediação é uma acção por catálise.
A mediação parece ser, à primeira vista, um paradoxo na sociedade actual: as descobertas científicas e tecnológicas apresentam soluções para grande parte dos problemas, a multiplicação de leis em todos os domínios parece dar resposta a todos os litígios, sem esquecer as redes de comunicação que propiciam laços e soluções variadas. Ora, ao mesmo tempo que se foi construindo o mundo moderno, estabelecendo contactos e ligações de toda espécie, federações, uniões monetárias, convenções, foram também aparecendo os catalisadores. Como refere Paule Paillet (1982, 9) "quando os modos de protecção do cidadão, quando a regulação das suas relações com a lei, com a norma e com a instituição se encontram perturbadas ou pervertidas, é necessário encontrar um elo de ligação. Seja de natureza política, associativa, sindical, jurídica ou social, ele terá sempre por missão o estabelecimento das conexões necessárias. Neste sentido, a mediação representa uma constatação de imperfeição do nosso mundo e uma abertura á esperança”.
O mediador como catalisador é desprovido de poder coercivo, decisório e legislativo. Ele não toma o lugar dos protagonistas, não absorve os seus diferendos, não promove a sua fusão através da acção. Pelo contrário, o mediador reúne as partes em conflito, pede-lhes que tomem em mãos o curso das suas vidas, dos seus projectos, e que enveredem por um novo caminho, adoptando uma nova dinâmica entre si.

d) Comunicação
O fim principal da mediação reside no estabelecimento ou restabelecimento da comunicação entre as partes, facilitando o diálogo entre si. Mesmo quando não se estabelece um acordo entre as partes e cada uma assume uma posição radical, o insucesso da mediação é relativo porque se estabeleceu uma comunicação parcial transformando as duas partes. " Não há uma mediação perfeita; toda a mediação é um momento de catálise, mas ainda terá de avançar com a ajuda de outras mediações; a mediação mais conseguida, a melhor sucedida, é aquela que produz uma verdadeira comunicação entre as partes, uma comunicação que trará realmente frutos na vida de cada uma das duas pessoas ou de cada um dos dois grupos" (Six, 1991, 185) . A mediação deve produzir , não uma simulação de comunicação, mas uma troca real; mesmo quando não é alcançada deve provocar em cada um a consciência de que não existe apenas a sua verdade, e que o outro também possui uma parte dela. Com efeito, um dos benefícios da mediação é comunicar a cada um que o isolamento são nefastos à construção de uma saída e que a abertura em relação ao outro só valoriza a sua posição.
Na mediação, a produção da comunicação compreende três etapas
[13]: a escuta, o tempo e a conclusão. A escuta permite compreender a situação, os argumentos, e os significados atribuídos por cada uma das partes ao assunto em análise; o tempo permite gerir os diferendos e favorece a tomada de posição em liberdade, sem precipitações e de forma consciente pelas partes envolvidas; a conclusão é o produto do trabalho efectuado até ao momento, num esforço de respeito pela identidade dos agentes em presença. “ Cada mediação é diferente e exige um tempo específico, diferente de mediação para mediação, com o seu ritmo próprio. Compete ao mediador fazer com que a mediação seja bem sucedida no tempo; o prolongamento ou a diminuição dos intervalos entre os reencontros de mediação resulta de uma adaptação contínua; tudo isto para conduzir a mediação ao seu termo” (Six, 1995, 144).

1.3 – A mediação pode ter finalidades e objectos diversos.

Quanto às suas finalidades, a mediação enquadra-se em dois grupos e quatro tipos de mediação ( Six, 1991, 164):
I - Mediações destinadas a fazer nascer ou renascer um laço social: 1 - Mediação criadora quando suscita laços benéficos entre pessoas ou grupos que não os tinham; 2 - Mediação renovadora quando permite melhorar os laços já existentes entre as pessoas e os grupos;
II - Mediações destinadas a parar um conflito: 3 - Mediação preventiva que antecede um conflito ainda em gestação entre pessoas e grupos e consegue evitar a sua explosão; 4 - Mediação curativa que responde a um conflito existente ajudando as pessoas e os grupos envolvidos a encontrar uma solução.
A mediação é uma acção realizada por uma terceira pessoa, entre pessoas e grupos que o consentem livremente e aos quais caberá a decisão final, e destina-se a fazer nascer ou renascer entre eles novas relações, a prevenir ou a gerir relações perturbadas em si .
Por todo o lado, hoje fala-se de mediação, uma prática que foi adquirindo diversas facetas consoante o seu objecto: mediação política, familiar, social, penal, cultural, muitas vezes apelidada como tal sem o ser. Hoje é um conceito banalizado porque responde a uma necessidade que se foi construindo e difundindo: a interposição de uma terceira pessoa que permita encontrar alternativas e saídas para impasses que surgem do choque de interesses entre as partes. Ao lado dos mediadores do quotidiano, existem mediadores políticos ao serviço da cidade, da sua evolução e transformação e que são mediadores na medida em que são actores concretos que a nível local constroiem o referencial de uma política. São mediadores que ocupam uma posição estratégica no sistema de decisão pois formulam o quadro intelectual em que se desenvolvem negociações, conflitos ou alianças que levam à decisão, como refere Pierre Muller. A sua visão do mundo vai influenciar a percepção daqueles que intervêm no sistema de decisão. Este autor distingue a este nível de mediação, três categorias de mediadores: os profissionais, os eleitos e as elites administrativas. Os utentes dos serviços sentem-se por vezes sufocados na sua relação com as instituições. Aos mediadores profissionais compete-lhes traduzir a procura de forma a encontrar resposta para o problema. A mediação não se exprime apenas nas relações interpessoais, mas também nas relações que cada um pode ter com as instituições e com a sua administração, podendo ser associada a uma melhoria da relação entre os serviços públicos e os seus utentes. A mediação tem uma dupla função: por um lado evitar as dificuldades entre utentes e serviços e por outro lado apreender os factores de insatisfação do público. A mediação surge como uma resposta às dificuldades de comunicação.

1.4 - A mediação pode ser de natureza institucional, profissional ou cidadã.

Quanto à sua natureza, a mediação pode apresentar-se segundo diversas tipologias. Por exemplo, para colocar em evidência a complexidade das diferentes abordagens conceptuais, Six define duas concepções - mediação institucional e mediação cidadã, enquanto De Briant & Palau defendem outras nomenclaturas - mediação tradicional, nova mediação; mediação pública e mediação privada.
A mediação institucional está ligada a um poder, que provém de uma instância superior, e que resulta de um qualquer organismo, e a mediação cidadã é uma mediação independente, suscitada pela vida quotidiana em livre associação, é a mediação cidadã.
A mediação tradicional « met en relation deux termes ou deux êtres et la société ou l’institution transcendante qui en tient lieu » (De Briant e Palau, 1999,50), ela regula e dá visibilidade ao social, ou como referem os autores citados “ uma mediação social consciente” que estabelece a relação entre o individual e o universal. Esta mediação tradicional recorre à figura de sábio-mediador. As mediações tradicionais apoiam-se na vontade de estabelecer relações sociais, ultrapassando a dimensão individual. A simples presença do mediador “amador” representa e forja o laço social. Cabem neste tipo de mediação, a mediação religiosa, a mediação de vizinhança e a mediação política. A nova mediação pressupõe a acção de uma terceira pessoa neutra e imparcial. Trata-se de uma mediação interindividual, simultaneamente societal, mesmo quando coloca em evidência a dimensão micro no quadro de uma acção profissional.
Uma outra forma de distinguir as novas mediações resulta da distinção entre mediações públicas e mediações privadas. A mediação pública é uma mediação legal. O estabelecimento de relações é um produto da intervenção de uma terceira pessoa com poder público para tratar de conflitos sem a imposição de uma solução. São mediações públicas : a) as que se desenvolvem no quadro da relação entre o público e a administração, pelo Mediador da República, pelos mediadores culturais, mediadores educativos, as mediações que ocorrem em colectividades locais ligadas a problemas do ambiente ou a actividades inter-culturais); b) as que são organizadas pela administração (mediações jurídicas, civis, penais); c) as que se estabelecem no quadro da relação entre Estados, designadamente a mediação europeia e internacional.
A mediação privada implica igualmente a acção de uma terceira pessoa no processo de resolução de conflitos ou no estabelecimento de laços sociais entre duas partes que se opõem, mas trata-se de uma acção fundada na construção de um acordo pelas partes implicadas, sem o recurso a qualquer tipo de pressão. As mediações privadas traduzem a vontade dos actores em construírem laços sociais ou regularem conflitos sem o recurso a instâncias públicas. As mediações privadas podem ser qualificadas de “mediações comunitárias” baseadas na organização da “sociedade civil”, isto é , os indivíduos, as famílias, as associações e as empresas. São exemplo deste tipo de mediação, as “Community Boards” e as “Boutiques de Droit” anteriormente referidas. A mediação privada desenvolve-se entre particulares. Ela é vista como a acção de uma terceira pessoa que favorece o relacionamento entre indivíduos ou grupos de indivíduos, partindo de regras definidas por eles próprios. A mediação social, familiar e cidadã são variantes que correspondem à vontade de auto-regulação ou de eliminação da intervenção pública na regulação dos conflitos interindividuais. A mediação empresarial e a mediação negocial são igualmente privadas: a primeira é requerida pela direcção da estrutura para regular os conflitos internos pela via do diálogo e extra-judicialmente, e a segunda favorece a aproximação entre empresas e é considerada como um modo de regulamentação das diferentes estratégias existentes. De Briant & Palau estabeleceram uma grelha de análise comparativa entre as políticas públicas tradicionais e as novas políticas públicas, salientando que “ les premières sont imposées quand les secondes sont négociées avec l’ensemble de la gouvernance locale ou sectorielle, sur la base de relations principalement contractuelles ou non unilatérales “. Neste contexto, a mediação participa e valoriza a redefinição do papel dos actores tradicionais. Até aqui competia ao Estado tomar a seu cargo os destinos individuais, mas hoje os apoios são incertos, pelo que é necessário que cada um conte consigo próprio e construa com outros novas solidariedades. E isto é verdade tanto ao nível dos indivíduos como a nível das nações. Para diminuir a angústia que tal incerteza provoca, são necessárias mediações.
Em suma, existem duas correntes para tipificação da mediação quanto à sua natureza: uma mais institucionalizada que provém de um poder estabelecido (a mediação institucional) e outra que pretende uma autonomia, que encara a mediação como produto da relação quotidiana dos cidadãos (a mediação cidadã). Os mediadores institucionais permitem que a instituição a que pertencem dialogue com os seus utentes, prestando reais serviços aos que se confrontam e se sentem perdidos na máquina administrativa e que vêm nesses mediadores um recurso. Eles fazem o acolhimento e escuta das pessoas, humanizam a sua função e a instituição, como refere Jean-François Six . No entanto, as instituições correm o risco de burocratizarem a mediação institucional se ao criarem serviços de mediação para responder a problemas institucionais estes se tornarem locais onde se administram de forma impessoal assuntos administrativos. Os mediadores cidadãos têm uma origem diferente: eles não são criados pelas instituições, eles são mediadores naturais que nascem nos grupos sociais para tratar de problemas da comunidade. Eles não têm poder, apenas têm autoridade moral. O desenvolvimento urbano, a dispersão da família, os movimentos de população enfraqueceram o papel desses mediadores tradicionais, tendo sido substituídos pelas associações que foram surgindo de forma explosiva em todos os domínios. Os membros de tais associações são mediadores cidadãos.
Do ponto de vista dos modos de acção, o que distingue estes dois tipos de mediadores? Aos mediadores institucionais é solicitado que resolvam problemas de alojamento, de emprego, de assuntos sociais. São peritos com formação técnica orientada para o tratamento de problemas na área em que é solicitada a sua intervenção e que se tornaram em intermediários obrigados, que desempenham um papel indispensável. Enquanto os mediadores institucionais representam um certo poder, os mediadores cidadãos são cidadãos entre cidadãos. A sua procura faz-se de igual para igual, não para lhes solicitar respostas para os problemas mas para assumir o papel de terceira pessoa, de alguém que não seja um árbitro. Espera-se que pela sua presença, acolhimento e escuta se crie um espaço para análise de um problema em relação ao qual se precisa de tomar uma decisão. Mesmo que eles não resolvam os conflitos, devido à ausência de recursos técnicos para o efeito, espera-se que a relação estabelecida com o(s) cidadão(s) permita a construção de uma alternativa para o conflito. Apoiam-se nos recursos que as pessoas dispõem, transmitem confiança, confortam, ajudam-nas a encontrar uma solução que não é imposta do exterior. Por isso, ser mediador cidadão é uma arte da relação pessoal e social e quando se procura um mediador cidadão sabe-se que o seu trabalho permite suscitar elos e é capaz de mostrar uma luz ao fundo do túnel. "Mediador é todo aquele que utiliza o seu direito de participar, todo aquele que não se remete para o Estado para regular todos os assuntos da cidade mas quer praticar actos cívicos; a mediação faz parte deles” (ibid, 198). O mediador cidadão promove a esperança. Ora, toda esta filosofia de agir exige tempo, sem pressões institucionais de encontrar uma solução ou de chegar à solução quase no imediato. A mediação permitiria aproximar pontos de vista, pôr em questão certezas e atenuar mal entendidos e como refere Paillet (ibid, 136) "É necessário estar cada vez mais atento às procuras implícitas, não formuláveis, especialmente nos casos de stress, exclusão, ansiedade e doença”. Durante muito tempo os conflitos e as discórdias eram apaziguados no quadro de uma auto-regulação posta em prática por actores que provinham de espaços de mediação natural, como as famílias alargadas, paróquias, vilas. O recurso à mediação exterior a este quadro ocorria apenas em situações graves e complexas, pelo que era entendida como o último recurso. Com a urbanização acelerada, essas estruturas de regulação foram-se esbatendo, as relações sociais foram-se institucionalizando e começou a fazer-se recurso à denúncia, queixa para os casos de pequenos e médios litígios. É neste quadro que surgem práticas diversas, mas frequentemente confundidas com a mediação.


2 – MEDIAÇÃO, SERVIÇO SOCIAL E TRABALHO EM REDE

Hoje a acção social é partilhada e implementada por organismos centrais e periféricos, novos parceiros sociais numa lógica de partenariado e de trabalho em rede, dando, deste modo, corpo a um modo alternativo de articulação entre o público e o privado, o global e o sectorial. A articulação entre protecção pública, privada e sistema informal constitui a referência central do novo modo de protecção social. O Estado oferece à comunidade um novo papel através da descentralização e da participação, da valorização das redes comunitárias e informais, esbatendo desse modo o seu papel no domínio da política social
[14].
Uma das modalidades de organização de uma intervenção de base territorial é o trabalho de rede. Apenas uma rede de actores sobre um território (uma equipa de pessoas referentes numa instituição) pode desempenhar plenamente um papel de mediação social (Bondu, 1998). A rede tem um efeito multiplicador de esforços, e cria condições para uma abordagem global, rompendo com a lógica do "ping-pong institucional". Por isso, o conceito de rede pode ser entendido como um paradigma necessário à compreensão de um novo princípio de organização da sociedade. Nesta modalidade de trabalho descobre-se a força dos laços, a estruturalidade e funcionalidade do quotidiano em relação à globalidade da organização social (Sanicola, 1994). O trabalho de rede é a configuração mais ou menos estável e permanente de interacções entre indivíduos que se conhecem e reconhecem como actores, e que privilegiam as relações sociais primárias. Consiste num conjunto de intervenções que permitem que os recursos estabeleçam conexões entre si e que desenvolvam estratégias capazes de produzir relações significativas num dado território. Através da cooperação voluntária entre actores, a rede assegura a conjugação de energias individuais, o que exige um confronto de lógicas profissionais. A necessidade de uma acção global exige que tais lógicas sejam trabalhadas de forma interactiva, promovendo o conhecimento interpessoal e uma dinâmica de mudança: mudança de atitudes, de perspectivas e de acção
[15].

Porquê trabalhar em rede? Quais as suas vantagens?
Aquilo que mobiliza uma rede não são os objectivos institucionais strito sensu mas uma lógica de qualidade de serviços e rapidez de acção, articulando esforços entre os vários parceiros formais ou informais. Não são os compromissos formais que ligam os diversos intervenientes, mas a vontade de encontrar alternativas de forma criativa para ultrapassar problemas vivenciados no particular mas com uma expressão colectiva, tais como a ruptura de laços sociais que está associada à exclusão social. É a autonomia técnica e um sentimento de identidade de interesses partilhado tanto pelos profissionais como pelas instituições que anima e impulsiona um trabalho de rede e lhe confere eficácia. Por vezes é necessário construir uma dupla rede de actores locais, mobilizadas sobre a inserção dos sujeitos:

uma rede de actores económicos que representam o mundo do trabalho (empresas, associações) e que permitem o enquadramento e o apoio a uma mão de obra com características distintas (por exemplo, os deficientes)

uma rede de actores (políticos, económicos, sociais, associativos) susceptíveis de serem pessoas-recursos e que tenham em vista o acompanhamento social e profissional dos sujeitos, e que ao mesmo tempo sejam capazes de dar respostas práticas aos problemas que se colocam no quotidiano. Estes actores locais são diversificados: eleitos locais, trabalhadores sociais, formadores, professores, médicos, entre outros.

Esta dupla rede de actores locais potenciam o trabalho de apoio e inserção social e criam condições para um protagonismo social dos utentes dos serviços. No entanto, pressupõe um acordo tácito entre as partes , que permita rentabilizar serviços e assegurar uma sinalização atempada das situações de risco social. O trabalho em rede permite reavivar a esperança na construção de um futuro diferente ou renovado.

As instituições funcionam com profissionais cuja tarefa é efectuar a transacção entre aquilo que se faz a nível sectorial e global, e os assistentes sociais são profissionais capacitados para lidar com um problema individual ou de grupo de forma inserida na dinâmica do conjunto das políticas. Os problemas têm de ser tratados de forma integrada, e neste contexto os assistentes sociais (entre outros profissionais) assumem-se como artesãos do desenvolvimento de uma política pública
[16] que se adapta às transformações dos problemas sociais e à transformação da sociedade global. A política pública é um processo de mediação social uma vez que se centra nos desajustamentos que podem surgir entre sectores e entre um sector e a sociedade global, ou seja tem por objecto a gestão da relação global-sectorial. Neste sentido, os assistentes sociais são considerados como mediadores, ocupando um lugar central nessa articulação. Sem o recurso a actores que assumam o referencial[17] da política pública e procedam à construção ou transformação da relação entre sectorial e global o sistema de decisão não funciona. Isso determina a importância que têm os mediadores no domínio das políticas públicas.
A função de mediação resulta da conjunção de dois pares de dimensões: a dimensão cognitiva-dimensão normativa e a dimensão intelectual-dimensão de poder. O primeiro par designa a relação entre o desejável e o real e o segundo a estruturação do campo de força da mediação (através da linguagem e da produção de sentido). Uma política pública produz sentido e também poder. Os mediadores são actores que decodificam o mundo, o interpretam, o tornam inteligível, lhe dão sentido definindo objectivos e acções concretas que visam transformar os problemas. Num trabalho de rede o mediador desempenha um papel de pivot. Para tal terá de ser reconhecido socialmente pelos outros actores locais. Tal é o resultado de um trabalho paciente de identificação, sinalização e conhecimento dos diferentes recursos existentes.
É no local que se vive, mas é no particular que se intervem. Nesse particular existe uma interdependência de factores que implicam a articulação entre aquilo que é singular e individual e aquilo que é global e colectivo. A mediação revela-se como uma das concepções valorizadas recentemente no domínio do serviço social. Ela implica um conjunto de modalidades de acção que lhe dão visibilidade e que se forem consideradas de forma singular, independentes e descontextualizadas constituem constantes na diversidade de práticas profissionais no domínio social. A mediação social processa-se através de acções como a prestação de informação-formação de competências, o encaminhamento social, a gestão e administração de recursos e o acompanhamento psico-social.
Subjacente às modalidades de acção, que constituem as unidades visíveis da mediação social protagonizada pelos Assistentes Sociais, desenvolvem-se processos de trabalho com componentes técnicas associadas ao “saber fazer administrativo-relacional” (Mondolfo, 1997, 32), mas que não se restringem a essa dimensão. Eles revelam competências sócio-profissionais capitalizadas na prática quotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas que constituem uma fonte de legitimidade da mediação social efectuada. Mais ainda, eles vinculam as práticas profissionais de mediação e sinalizam a diferença com outro tipo de práticas como o voluntariado. Os processos de trabalho também não se confundem com etapas metodológicas da mediação. Estas correspondem a momentos distintos e sequenciais no desenvolvimento da acção, enquanto os processos de trabalho se confinam aos saberes e às competências operacionalizadas no decurso da mediação, sejam elas de carácter teórico, técnico ou relacional (Autès, 1999, 229). Como refere o autor, por referência ao contributo de Guy le Boterf (1994), a competência corresponde à capacidade prática de mobilizar recursos em função do utente e da interpretação que o profissional faz da situação.
O uso de estratégias revela-se importante tanto a nível da conquista do espaço profissional como na procura de alternativas à situação-problema, elas potenciam a mediação. Em termos profissionais, para além dos constrangimentos contextuais ao desenvolvimento da acção, há a considerar a posição activa do profissional na construção do seu quotidiano. Quer isto dizer, que a prática não se impõe ao técnico, como se de um ritual pragmático se tratasse, mas que lhe compete participar, criar ou inovar constantemente face à variedade de solicitações. Se é verdade que é necessário que cada profissional perceba os seus limites, também é verdade que o exercício da mediação implica uma avaliação permanente da sua posição e o desenvolvimento de uma acção estratégica com avanços e recuos, num processo de conquista permanente. Ora a trajectória de afirmação dos assistentes sociais tem passado pelo reconhecimento do valor da estratégia em brechas e momentos oportunos. A relação de poder que se exerce no contexto institucional é diferente em cada situação e cada momento, pelo que a estratégia assume relevo inclusive na conquista de espaço profissional.

Por vezes é necessário negociar papéis, delimitando fronteiras e complementaridades, (re)estabelecendo espaços de troca. O Serviço Social, embora seja dependente de instâncias superiores a nível administrativo, possui uma autonomia técnica que lhe confere alguma margem de manobra no processo de mediação. Quando existem litígios no plano das competências profissionais, torna-se imperativo clarificar as funções e os papéis que lhe são reservados, definir os momentos de intervenção e de articulação com outros profissionais, determinar as responsabilidades de cada actor no processo. Por vezes verificam-se resistências e representações da profissão de Serviço Social que dificultam a acção. Mas quando as dificuldades são estruturais, a procura de alternativa não depende nem da vontade nem do empenhamento individual do técnico ou do sujeito. É necessário que isso seja esclarecido, porque isso permite ponderar os limites e em função dessa avaliação unir esforços (em termos de equipa ou a nível institucional) para prosseguir o trabalho, contornando ou enfrentando as barreiras que intervêm no processo.
Na mediação não existem receitas e uma atitude com resultados positivos num dado momento e situação poderá não ser eficaz num outro contexto. Os referenciais teóricos orientam e potenciam as práticas, não as substituem nem limitam. O profissional ao tomar conhecimento da situação-problema intervém, integrando os quadros teóricos referenciais, os objectivos institucionais, a representação que faz da prática profissional e do potencial humano dos recursos que utiliza. Deste modo, quando se fala em estratégias de mediação faz-se apelo ao conjunto de atitudes que permitem ao profissional fazer a gestão dos poderes que contextualizam a acção e proporcionar a mudança não apenas na situação mas também nos sujeitos. Tal faz com que elas sejam diversificadas e sinalizadoras de concepções de prática profissional. O problema coloca-se quando o Assistente Social se prende a concepções teóricas em detrimento do discernimento das oportunidades e do potencial humano na resolução das situações, ou quando a sua prática quotidiana se processa de forma rotineira. Surgem então discursos desculpabilizadores da (in)acção, de vitimização, de dúvida e interrogação face às dificuldades, tais como: " não existem respostas para os problemas", " o serviço social não dispõe de modelos teóricos alternativos a outras ciências sociais", ou " foi para isto que tirei o curso?". É obvio que este tipo de argumentos surge algumas vezes após tentativas variadas de solução para o problema diagnosticado, mas também é verdade que em algumas ocasiões subentende uma ausência de questionamento sobre o percurso profissional : "o que é que eu fiz para ultrapassar a situação?".
Apesar de as estratégias poderem ser interdependentes e complementares entre si durante o processo de mediação, e abrangerem também o campo do imprevisto, uma vez que embora racionais surgem no contexto da emergência do novo, a prática do Serviço Social evidencia-as como um leque de opções organizadas em torno do contexto (situação) e da representação que o técnico faz do seu perfil profissional. O termo "bricolage " utilizado pelos autores francófones reflecte esta incessante atitude criativa no processo de descoberta de soluções inovadoras. "Bricoler, c'est donc savoir tisser des liens, mais c'est également composer, en utilisant d'ailleurs ces rélations privilégiées, toujours individuelles, avec les possibilités et les impossibilités; c'est trouver des solutions aux problèmes que rencontre la clientéle en apportant des réponses ponctuelles construites en fonction des opportunités et des disponibilités; c'est utiliser au plus vite toute information afin de saisir, dans l'intérêt de la clientèle, des moyens réduits; c'est encore recourir à des passe-droits ou obtenir des concessions grâce, justement, à la force de son réseau relationnel; c'est autant créer l'occasion de la saisir" (Soulet, 1997, 55).
O principal instrumento de trabalho do Assistente Social é a palavra, e esta permite deslocar o conceito “estratégia” para o domínio do cliente. No processo de mediação a estratégia consiste muitas vezes em fazer adquirir por parte do cliente um pensamento estratégico de antecipação do curso dos acontecimentos e em relação a essa previsão reorientar o seu comportamento.
Quando um mediador institucional tem à sua responsabilidade todo o trabalho de relação com o exterior, organização de projectos, estabelecimento de protocolos, pressupõe-se que esse trabalho se baseie num trabalho de equipa. Neste quadro, emerge uma nova dimensão da mediação que é a supervisão para acompanhamento de todas as diligências administrativas e técnicas associadas à divulgação e avaliação das acções. O acompanhamento dos projectos e da equipa permite uma avaliação permanente das acções e o enquadramento dos casos concretos na lógica do projecto ou da acção promovida. O desenvolvimento deste trabalho favorece a reflexão, estimula a tomada de decisões com base nas necessidades quotidianas, favorece a autonomia, permite organizar o tempo e estabelecer prioridades e contribui para assegurar a articulação entre técnicos. Para além de se mostrar útil à gestão do quotidiano, a coordenação desenvolve o espírito de equipa e promove a expressão de sentimentos por parte das equipas ou dos actores envolvidos no processo. Aqui a mediação assume também um perfil complexo e global, envolvendo diversos técnicos ou profissionais complementares na lógica do projecto e da acção. Por isso, a coordenação assegura uma articulação e cooperação entre serviços e técnicos na prossecução das suas finalidades e objectivos.
A procura de alternativa, entendida como rejeição de um modelo de “déficit” em favor de uma pesquisa política e prática comprometida com experiências transformadoras (Bronfenbrenner, 1996), configura-se como um elemento central da mediação. Ela surge na sequência do movimento de procura existente e no envolvimento dos diferentes agentes e actores no processo. É esta dinâmica que permite que a mediação seja reconhecida como um processo de construção de alternativas e que se traduz na criação de novas necessidades e questionamento da situação. Enquanto mediador, compete ao Assistente Social promover o envolvimento de outros agentes, estimular a entrada de novos actores formais e informais no processo (por exemplo outras empresas, serviços, profissionais, familiares, vizinhos, amigos) até ao limite do possível. Porém, nem sempre o confronto de lógicas e interesses é assegurado e quando o é a construção de alternativas esbarra com frequência em barreiras institucionais associadas à burocracia e à normalização e funcionamento dos serviços ou dos profissionais. Fazer mediação pressupõe autonomia técnica, um posicionamento aberto, não cristalizado, uma capacidade de diálogo e de acção que nem sempre os diversos actores são capazes de assegurar. A ausência destes elementos hipoteca a mediação e o consequente envolvimento dos diversos actores sociais.

Bibliografia

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* Doutorada em Trabalho Social, Professora do Instituto Superior Bissaya-Barreto, Coimbra.
[1] BONDU D., Nouvelles pratiques de médiation sociale. Jeunes en difficultés et travailleurs sociaux, Paris, ESF, 1998, p.14.
[2] Cf. BONAFÉ-SCHMITT J.P., “Plaidoyer pour une sociologie de la médiation” in Annales de Vaucresson, 29, 1988, pp.19-44, et BONAFÉ-SCHMITT, J.P. & al., Médiation et régulation sociale, GLSI -Université Lyon II, 1992.
[3] As boutiques de droit, associações de informação jurídica, surgiram em França (1975) por iniciativa de advogados e militantes associativos. Instalaram-se nos bairros para dar resposta à procura social das populações mais desfavorecidas e facilitar-lhes o acesso ao “direito a ter direito”. O projecto de mediação sobre o qual as "boutiques de droit" assentam, baseia-se na criação de estruturas de proximidade e na implicação activa dos habitantes. Por tudo isto, Bonafé-Schmitt considera a mediação, uma justiça doce. Nos termos da "Carta da mediação e das boutiques de droit" (divulgada por Philippe Turrel, Vers un droit d'ingérence sociale , 1995, in SIX, J.F., Dynamique de la médiation, Paris, Desclée de Brower, 1995, p.147) o conceito parece como percursor de um direito de ingerência social (“ Le choix d’action des Boutiques de Droit procède d’un droit d’ingérence sociale de certains acteurs de la Société Civile qui permettrait à des habitants des quartiers, désignés comme médiateurs, d’être porteurs d’une certaine légitimité” in TURREK, op. cit., p.8.) de certos actores da sociedade civil, direito que daria legitimidade aos habitantes dos bairros designados como mediadores. O domínio da sua acção é o contencioso do quotidiano, é a regulação de litígios menores (pequenos furtos, querelas verbais, maus cheiros na via pública). No que respeita as Community Boards, a mais conhecida é a de San Francisco que funciona independente dos tribunais. Esta iniciativa visava humanizar o tecido social em que se manifestam conflitos interpessoais e pretendia implicar cada cidadão através da sua responsabilização na procura de uma solução. O trabalho de base consistiu no estabelecimento de contactos com a população e com as instituições. O clima de confiança criado permitiu dar voz aos conflitos existentes, tendo sido criado um espaço onde as pessoas podiam falar dos seus problemas e resolvê-los com a ajuda de terceiros e extra-judicialmente. Nesta perspectiva, mediação é também entendida como uma acção preventiva da marginalidade. A experiência de San Francisco é diferente de outros modelos de mediação, uma vez que: a) a mediação é concebida como um meio de solucionar assuntos penais, como uma acção de prevenção de criminalidade, e b) visa a regulação pacífica de conflitos menores pela revitalização do espírito comunitário nos bairros urbanos. Neste contexto, a mediação ultrapassa a resolução de conflitos: os cidadãos procuram a paz social pela redução de tensões sociais e raciais, pelo desenvolvimento de solidariedades , pela prevenção de conflitos de vizinhança. Neste caso, a mediação "é uma incitação cívica e pessoal pela informação, educação e acção”.
[4] É disso exemplo, o movimento de contestação à política de co-incineração dos resíduos tóxicos, desenvolvida pelo Governo Português, que tem mobilizado a população em grupos de contestação social no sentido de encontrar alternativas que respeitem as preocupações da população em relação ao meio ambiente e à saúde pública.
[5] Constituem excepções algumas práticas comunitárias onde se começa a fazer intervir a figura de mediador (por exemplo, no quadro das políticas de integração das minorias étnicas) e na área familiar que, neste momento, possui instâncias de mediação, designadamente o Instituto Português de Mediação Familiar (1993) e a Associação Nacional para a Mediação Familiar (1997), dando corpo a uma prática de mediação, já instituída na Europa há alguns anos.
[6] MALIGNE P., “De la conciliation aux arbitrages” in Le Bulletin, 8, 1986.
[7]Pierre Estoup num artigo publicado em 1986 considera que os tribunais não são forçosamente o local único de solução de todos os conflitos. É necessário que para pequenos litígios sejam favorecidas soluções rápidas e pouco onerosas , fundadas sobre a equidade. Porém, salienta que o desenvolvimento de procedimentos de conciliação e de composição amigável exige uma mudança de mentalidades de todos os participantes na acção judiciária (cf. ESTOUP P., “Conciliation et amiable composition” in Le Bulletin, 8, 1986, pp. 9-12).
[8]Presidente honorário do Tribunal de Comércio de Paris. Comunicação feita no âmbito do colóquio organizado pela Associação Francesa de Arbitragem, consagrado à arbitragem e à mediação, 20 Jan.86, 21-30 (citado por SIX J.F., Le temps des médiateurs, Paris, Éditions du Seuil, 1990).
[9] Cf. Six, J.F., Le temps des médiateurs, op.cit. 165-193.
[10]Geneviève Pelpel (1982) no artigo "La médiation au risque de la dépendance" publicado na revista Informations Sociales, 4 , chama a tenção para a possibilidade de a relação entre mediador e mediado se poder vir a transformar numa relação de dependência, dada a fragilidade com que as partes se apresentam no processo, e acrescenta: " numa relação de ajuda ninguém pode fazer economia de um período de dependência. A dependência é um dos motores da autonomia" (71). Porém, dado que a intervenção do mediador é uma intervenção a prazo, no caso de se tratar de uma mediação junto de uma população carenciada a vários níveis, a dimensão afectiva torna-se importante, podendo vir a criar-se problemas de interdependência.
[11] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, (ilustrada com cerca de 15000 gravuras), Volume VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, Lda, p.274.
[12] Ibid., p.273.
[13] A questão metodológica é tratada por diversos autores: BONAFÉ-SCHMITT J.P., “La médiation sociale et penale” in BONAFÉ-SCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation, op.cit.; DAHAN J., “La médiation en matière familiale” in BONAFÉ-SCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation, op.cit.; SIX J.F., Dynamique de la médiation, op.cit.; DE BRIANT V. & PALAU Y., La médiation. Définition, pratiques et perspectives, op.cit.
[14] Badie (1996, apud Martin, 1998) sugere que o poder político se exerce através da mediação do solo e do lugar, ele não é inato. Existem razões de ordem económica e social capazes de fazer compreender as tendências contemporâneas de "retorno ao local", embora com uma nova roupagem. Assinale-se a mundialização do espaço económico, que exige cada vez mais a regulação local dos problemas económicos e sociais, e os fenómenos actuais de precaridade, de mobilidade espacial das populações que caracterizam a crise social em que vivemos. Os custos que as situações de precaridade acarretam são elevados a nível social e económico, e implicam a descentralização de esforços. Por outro lado, a sociedade civil reage às situações de precaridade, mobilizando as solidariedades primárias (família, vizinhança,... ) na luta contra os efeitos desestabilizadores do crescimento do espaço económico. Hoje assiste-se à emergência de um processo de reacção social contra a precarização e a insegurança que se traduz no retorno ao local e à procura de novas solidariedades.

[15]Podem identificar-se três tipos de redes: a) rede de actores institucionais, como recursos mobilizáveis - a lógica do partenariado; b) rede de inter-conhecimentos - rede de actores no terreno para assegurar uma abordagem global e aberta dos problemas; c) rede informal tecida pelos sujeitos num dado território.

[16]Gérard Martin (1998, 124) considera que se pode falar de política pública quando uma ou mais autoridades locais tentam modificar o meio sócio-cultural e económico dos actores através de um programa de acções coordenadas.
[17]Este conceito elaborado por analogia com a noção matemática de "sistema de referência" é uma estrutura de sentido que permite pensar a mudança nas suas diferentes dimensões. Compreende quatro factores: os valores (ex. as noções de igualdade e equidade), as normas que separam o real percebido do real desejado, os algorítmos (relações causais que exprimem teorias de acção) e imagens (cada política traduz uma imagem do problema a tratar, uma representação sobre o grupo de referência do problema e uma concepção de mudança). O referencial é o quadro intelectual que baliza a intervenção.