sábado, 27 de outubro de 2007

APAV
Apoio à Vítima
O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE APOIO À VÍTIMA NO CONTEXTO DOS MAUS TRATOS1


A publicar na revista nº 16 da AIDSS

Antes de dar início à comunicação que preparei para apresentar neste Seminário, gostaria de agradecer, em meu nome e em nome da APAV, o convite que a Associação de Investigação e Debate em Serviço Social fés para abordar algumas questões sobre maus tratos. No entanto, entendo que antes de abordar esta temática se faça referência a alguns aspectos que considero pertinentes, nomeadamente:
l- Caracterização da APAV « domínio de intervenção dos nossos serviços:
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é uma instituição particular de
solidariedade social, que se fundou em 25 de Junho de 1990, localizando-se a sua sede
em Lisboa Quanto ao Gabinete de Apoio à Vítima do Porto, conta já com 12 anos de
existência,
A. APAV é uma organização sem fins lucrativos e de voluntariado, que apoia de forma
individualizada, qualificada e humanizada, vitimas de crimes, através da prestação de
serviços gratuitos e confidenciais.
Quanto ao tipo de apoio prestado, é feito a vítimas de crime e costuma ser efectuado a
um, dois, ou a três níveis (dependendo da problemática que nos é apresentada e da
avaliação que efectuamos), podendo então ser.
Apoio Jurídico: prestamos esclarecimentos acerca dos direitos das vitimas, bem como as informamos acerca das etapas dos processos judiciais, designadamente no que deve ser feito para denunciar as situações de maus tratos e dos trâmites processuais implicados. Quando abordamos as questões referentes ao divórcio, também esclarecemos as pessoas acerca deste tipo de processos. Também é costume auxiliarmos as vítimas na elaboração de requerimentos que não exijam a constituição de advogado, o que pode ser posto cm prática quando se trata de situações em que elas foram alvo de um crime violento e pretendem ser indemnizadas por isso;
Apoio Social: geralmente implica um trabalho em rede, juntamente com outras instituições, no sentido de garantir alguns apoios às vítimas, que podem ir do apoio alimentar, vestuário à ajuda de mudança de casa, ou integração num centro de acolhimento temporário, entre outros. Tudo depende da situação que avaliamos e das necessidades das vítimas (e descendentes, quando os há),
Apoio Psicológico:
trata-se de um apoio em que se tenta validar as competências das pessoas» Onde se procura que as elas se restabeleçam emocionalmente. Seguidamente, e sempre que se justifica, delimitamos um plano de segurança pessoal. Por vezes ajudamos as pessoas a redefinir o seu projecto de vida.
2- Definição do conceito de Violência Doméstica:
Tendo em consideração que a maior pane das pessoas que solicitam os nossos serviços
são vítimas de violência doméstica, vou passar a definir este conceito; a violência
doméstica refere-se a qualquer acto, conduta ou omissão exercida directa ou
indirectamente e com alguma intensidade de modo a provocar sofrimentos psicológicos,
físicos, sexuais a qualquer pessoa que habite
no mesmo agregado familiar ou, mesmo não co-habitando, tenha alguma relação de
proximidade afectiva.
Assim sendo, podemos dizer que a violência doméstica se refere à violência conjugai
(entre casais heterossexuais, ou casais homossexuais), à violência contra as crianças e
jovens, ou à violência contra os idosos.
As estatísticas mais recentes da APAV, reportam-se ao primeiro semestre de 2004, e
indicam-nos que a maioria das vítimas pertence à faixa etária dos 25 aos 45 anos, é do
sexo feminino e é casada.

3- Enquadramento jurídico e crimes do âmbito da violência doméstica:
Um outro aspecto que considero de particular relevância é o facto de referir que a
violência doméstica não é crime, uma vez que não vem tipificada no Código Penaí
Português, nem em legislação avulsa. No entanto, o Artigo 152 fala-nos no crime de
maus tratos, que era considerado um crime semi público em 1995 e desde 2000 que é
considerado um crime público.
Os crimes que costumam estar associados a este fenómeno costumam ser os de
ameaças, coacção, violação, difamação, injúrias, ofensas à integridade física, entre
outros.
A nossa experiência tem-nos revelado que esta situação retraia quase sempre a violência
repetida de um dos companheiros sobre o outro, e do homem sobre a mulher,
Geralmente estes episódios caracterizam-se pela existência de rnais do que uma das
seguintes formas de violência: verbal, emocional, psicológica, física, sexual
De salientar que estas situações se tornam mais graves quando nos reportamos a pessoas
com filhos, onde a violência doméstica também pode ser exercida sobre eles, ainda que
não venham a constituir um alvo directo desta violência, acabando assim por ser vítimas
indirectas de violência doméstica Isto aplica-se sobretudo às crianças e jovens que
assistem aos episódios de violência entre os pais, ou responsáveis educativos.
4- Caracterização do "Ciclo da Violência** descrito por Walker:
Esta problemática foi estudada por Walker (1994), que identificou um processo associado à dinâmica da violência doméstica, o qual foi denominado por "Ciclo da Violência" e que se caracteriza pela existência de três fases:

l- Fase do aumento da tensão: costuma ser a fase mais longa e inclui vários episódios de tensão. Geralmente caracteriza-se pelo recurso à difamação, injúria, ameaças, ou outros tipos de maus tratos ao nível psicológico,


2- Fase do ataque violento: num período inicial existe uma resistência à agressividade, mas a tendência é para a agressividade se vir a manifestar, chegando mesmo a estar na origem de uma escalada de violência, em vez de esta cessar. Trata-se de uma fase em que para além de se verificarem os maus tratos mencionados na fase anterior, também existirem outras formas de mau trato como as agressões físicas, abusos sexuais, violações, etc.

3- Período de reconciliação ou lua de mel: verifica-se após as agressões,
quando surge o pedido de desculpas por parte de quem agride.
Quanto mais longo for este processo, maior é a tendência da vítima sentir que perdeu o controlo sobre si e a sua vida.

4- Normalmente as vitimas não conseguem prever quando é que estes ciclos se vão repetir, mesmo quando eles se começam a tornar cada vez mais repetitivos.

5- Estratégias de controlo exercidas por parte de quem agride:
Normalmente, é costume o agressor, desenvolver algumas estratégias para dominar as vítimas, recorrendo frequentemente ao isolamento da sua rede de suporte social {família, amigos, colegas de trabalho, etc); tentam (e muitas vezes conseguem) intimidá-las, procuram exercer um controlo acentuado ao nível económico, privam-nas de algumas necessidades básicas (como o sono, alimentação, etc)o que as deixa num estado de grande debilidade física e emocional, tomando-as consequentemente mais fragilizadas e vulneráveis.

6- Principais alterares comportamentais que as vítimas costumam manifestar:
É devido a estas situações que as vítimas de violência doméstica tendem a apresentar algumas alterações comportamentais, de onde destaco:
Alterações dos padrões de sono e apetite,
Danos físicos, corporais e cerebrais, alguns deles irreversíveis (ex: problemas
neurológicos),


Distúrbios cognitivos e de memória, como as dificuldades de concentração,
confusão, flashbacks, crenças disfuncionais sobre si (ex; vítimas que julgam que
estão a enlouquecer);
Comportamentos depressivos, por vezes com tentativas de suicídio, ou mesmo
com o suicídio consumado,
Isolamento social como consequência dos sentimentos de vergonha, falta de
confiança, auto-culpabilização, desvalorização pessoal, etc,
Baixa auto-estima;
Distúrbios de ansiedade, hipervigilância, ataques de pânico (ex: dormem
vestidas para estarem prontas para sair),
Por fim, mas não menos importante, a vulnerabilidade, a dependência
emocional, a passividade e o desânimo aprendido.

7- Que atitude a tomar perante este fenómeno:
Tendo em consideração todas as questões referidas nos pontos anteriores, há que referir algumas questões de carácter mais prático. Para começar, há que valorizar desde logo o pedido de ajuda que nos é dirigido. Esse pedido pode surgir por intermédio de familiares,, amigos, colegas, vizinhos das vítimas, ou peias próprias vítimas. A forma como nos abordam pode ser feita através de um contacto telefónico, pessoal, via internet, fax, carta, etc.
Seja qual for o modo corno o pedido de ajuda é feito, devemos adoptar desde logo uma atitude empática, bem como devemos estar cientes que estamos a lidar com seres humanos que se encontram muitas vezes em sofrimento. Assim, antes de adoptarmos a
nossa postura de Juristas, Assistentes Sociais ou Psicólogos e de começarmos a intervir a qualquer um destes níveis, devemos ter sempre presente que somos Técnicos de Apoio à Vítima e devemos tratar as pessoas que nos procuram colocando de lado juízos de valor, tabus, crenças religiosas, etc.



Geralmente a primeira abordagem que fazemos serve para as vítimas nos conhecerem e para termos oportunidade de conhecer as suas histórias de vida, sendo que o apoio prestado costuma por ser apenas emocional. Só depois das vitimas estarem num estado emocional mais estacionário é que começamos a delimitar alguns objectivos. A relação estabelecida com as vitimas deve ser facilitadora e potenciadora da partilha de informações Só assim é que conseguimos avaliar as suas necessidades e comecemos a delinear em conjunto com elas as estratégias a colocar em prática para as ajudar na resolução dos seu$ problemas
Tal como havia referido no primeiro ponto desta comunicação, muito do trabalho que desenvolvemos junto das vítimas é feito em pareceria com outros organismos, Por isso é que se toma cada vez mais importante sensibilizar os profissionais que estão envolvidos neste processo e que se encontram a desempenhar as suas funções nos mais diversos serviços, desde a Saúde ao Ensino, aos Tribunais, etc, a saber lidar com estas situações de modo a ajudar as vítimas a ultrapassar este momento difícil das suas vidas. O mesmo se aplica à comunidade em geral, visto que se trata de um dever cívico, o de ajudar as vítimas a denunciar estas situações, até porque não são poucas as vezes que constatamos que podemos fingir que não vemos, mas de certeza que esta atitude pode ser mudada "quando o problema nos toca", isto é, quando nos confrontamos com aigum familiar ou amigo vítima de violência doméstica. Nestes casos é mais difícil ficarmos indiferentes...
O mínimo que podemos fazer é denunciar estas situações a quem de direito: PSP,PJ, GNR, Serviços do Ministério Público, Instituto de Medicina Legai, ou então solicitar o apoio da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Projecto de Apoio à Família e à Criança, Comissões de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo, Instituto de Apoio à Criança, Comissão para Igualdade e para os Direitos das Mulheres, Linha Nacional de Emergência Social, Emergência infantil, etc.



1 Comunicação apresentada por Cátia Rodrigues,, Psicóloga, Técnica de Apoio à Vítima a exercer funções no Gabinete de Apoio à Vítima do Porto, no âmbito do XII Seminário, promovido pela Associação de investigação e Debate



APAV
Apoio à Vítima
Bibliografia consultada:
APAV (1998). Manual dos serviços de apoio à vítima de crime na APAV. Lisboa: APAV
APAV (2004). Estatísticas do primeiro semestre de 2004, cm: http://www.apav.pt
Walker, L. (1994). Abused Women and survivor therapy: A practical guide for psychotherapist Washington: American Psychological Association.

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