sábado, 27 de outubro de 2007

A CONSTRUÇÃO DEONTOLÓGICA DO SERVIÇO SOCIAL

VII
A CONSTRUÇÃO DEONTOLÓGICA DO SERVIÇO SOCIAL

de Alvaro Santos- excerto de livro a publicar

Parece-nos que deixamos claro que, em nosso entender, a Ética não é um mero código normativo legal que estipula as normas pelas quais uma profissão se rege. Antes de mais, Ética é o instrumento pelo qual a profissão reflecte sobre o mundo onde está inserida. A complexidade da vida humana obriga o Serviço Social a questionar-se permanentemente sobre o seu papel na sociedade. A Ética torna-se, assim, o “pensar fundamental” da profissão e a forma como esta dialoga com o mundo.
Por outro lado, através dela, afirma a sua responsabilidade definindo um conjunto de valores que norteiam a sua actividade com vista a um objectivo bem determinado: a Dignidade Humana.
Estes valores e objectivo conduzem à assunção de um projecto profissional que consubstancia a reconstrução do sujeito.
Por reconstrução do sujeito entendemos a necessidade de analisar o sujeito em todas as suas dimensões e contribuir para a sua realização pessoal, potenciando e possibilitando as suas capacidades, para que ele próprio encontre o seu rumo.
A definição dos valores corresponde a esta dimensão. Quando falámos de Liberdade, Responsabilidade, Autonomia e Autenticidade, não estamos só a falar das obrigações do técnico. Falámos também das obrigações que qualquer um terá que considerar nos seus actos.
Quando falámos de Participação, Solidariedade e Democracia referimo-nos a valores que abrem espaços, não só necessário ao exercício profissional, mas também necessários ao desenvolvimento da individualidade.
Ao analisarmos a questão por este prisma, a Ética assume uma outra faceta, que é o seu carácter metodológico. Ao definir os parâmetros, através dos valores, da intervenção profissional, a Ética passa a ter um papel decisivo na organização metodológica da intervenção, além de a fundamentar. Na procura de respostas, a questão de saber o que fazer numa situação concreta, analisa-se que valores estão postos em causa e quais devem nortear a acção naquele caso concreto. A reflexão nestes parâmetros conduz à organização de uma metodologia de intervenção na qual se define objectivos, métodos e meios nos moldes mais adequados quer aos valores éticos quer ao contexto da acção, como aliás, tentámos demonstrar no capitulo III.
Ética é a essência do Serviço Social. Poderia dizer-se que é uma frase feita ou que em muitas actividades profissionais a Ética assume o mesmo peso. A isto respondemos que, por norma, se tem associado a Ética a um conjunto de regras que não devem ser violadas na actividade profissional. Mas no Serviço Social o que está em causa é o diálogo com o mundo, no sentido em que, mais do que qualquer outra profissão, a necessidade da adaptação á realidade onde está inserido e ter consciência da Ecologia da Acção são fulcrais nesta posição e que obriga a uma maior consciência ética.
Se a matéria-prima do Serviço Social parte e dirige-se ao Ser Humano, não num sentido mecanicista, mas sim num processo de valorização dos recursos endógenos, então, não é possível actuar sem balizarmos a actividade profissional dentro de um quadro ético não só para que o profissional tenha consciência do seu papel, mas também para que quem recorre a ele perceba os objectivos do seu trabalho.
Mas os valores a que uma profissão adere traduzem a sua visão e, como tal, a aderência aos valores também não deixa de ser também uma atitude política, no sentido mais nobre do termo.
Qual então o objecto do Serviço Social? Se assumimos a complexidade humana como esteio da sua intervenção então o objecto do Serviço Social é a vivência humana, porque possibilita a abrangência de todas as dimensões humanas e porque é da vivência humana que resulta os desequilíbrios e os conflitos que solicitam a intervenção do Serviço Social. Só conhecendo os modos de vida e a organização se pode encontrar as causas e as soluções aos problemas que se colocam. Reduzir o objecto ao cliente/utente é redundante e impede uma visão lata da actividade humana.
Se o objecto não é o utente/cliente, então o acto do Serviço Social também não se pode resumir ao diagnóstico, nem mesmo encarando-o num conceito mais alargado que envolva não só o diagnóstico propriamente dito, mas também a intervenção subsequente. Aliás, a definição de qualquer acto do Serviço Social será sempre redutora e temporal. A complexidade da realidade humana demonstrará sempre isso em devido tempo.
Daí que a proposta deontológica aqui expressa propunha não a definição de um acto do Serviço Social, mas sim da missão do Serviço Social, aliás como está expresso no Código de ética da N.A.S.W. (National Association of Social Workers, EUA) e subentendido na Declaração de Princípios subscrita pela Federação Internacional de Assistentes Sociais e pela Associação Internacional de Escolas de Serviço Social.
Definir qual a missão do Serviço Social é muito mais adequado do que resumir o papel do Serviço Social a um acto. Falar de missão em Serviço Social poderá ser considerado uma ideia demasiado vaga, face á prática verificada nos outros códigos, mas já foi expresso neste texto que consideramos a ética como uma reflexão sobre a realidade e, como tal, não falámos em regras mas em valores. Aliás esta ideia está presente no já citado Código de Ética da F.I.A.S., no qual expressa a ideia que o objectivo do mesmo era enquadramento das questões éticas num âmbito mais vasto, concedendo a liberdade a todos os Assistentes Sociais, mediante a realidade com cada um se depara.
Isto não significa que a profissão fique num limbo, á mercê do gosto de cada um. A abordagem da vivência humana reconhecendo que toda a forma de conhecimento sobre ela só poderá ser válida se considerar o complexo bio-antropológico, não é só um posicionamento ético conforme já demonstramos, mas também uma postura científica recusando o emparcelamento e o isolamento do conhecimento cientifico, evitando deste modo, como também já se referiu, uma ciência sem responsabilidade.

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